23 dezembro 2011

Inovar na tradição

A cultura portuguesa (católica) é uma cultura que se move entre extremos muito amplos. Admite tudo e o seu contrário, e normalmente os extremos tocam-se. Ao lado da tradição, que é uma coisa boa - podermos beneficiar da experiência daqueles que nos antecederam - existe o tradicionalismo, que é uma coisa má - ficarmos agarrados às formas de viver daqueles que nos antecederam.

Uma fina fronteira separa as duas ideias. A tradição é a voz viva dos mortos, o tradicionalismo é a voz morta dos vivos. A tradição permite inovar, e inovar de forma segura, porque está assente na experiência das gerações que nos precederam; o tradicionalismo é o apego irracional ao passado e às formas de viver do passado. A tradição é o cimento em que assenta o progresso sólido, enquanto o tradicionalismo é o atraso garantido.

Nos posts anteriores, eu fui defendendo que para sairmos da situação em que nos encontramos, é um erro andar aí por esse mundo fora a procurar soluções para os nossos problemas, e depois aplicá-las no país, sobretudo se elas vão contra as nossas tradições. Aquilo que temos de fazer é voltar às nossas tradições, e depois procurar inovar dentro delas.

É esta ideia - a de inovar dentro da tradição - a ideia a que eu pretendia chegar, porque frequentemente se pensa que é impossível inovar dentro da tradição. Confunde-se tradição com tradicionalismo. Aquilo que nós temos andado a fazer ao longo dos últimos anos - no Estado Social, nas leis, na saúde, na educação, na economia, etc - é inovar por imitação daquilo que se passa lá fora, porque consideramos que os países do norte da Europa é que são modernos e nós também queremos ser modernos como eles. Mas, como procurei mostrar no post anterior, cada vez que queremos ser modernos por esta via, atrasamo-nos.

Então, mas o que é isso - se, na realidade, isso é possível - de inovar dentro da tradição? Darei um exemplo com o sector da educação primária e secundária. Em primeiro lugar, de que é constituída a nossa tradição nesta área? É constituída, pelo menos, por duas instituições-chave. Primeira, e a mais importante, a autoridade suprema e absoluta do professor dentro da sala de aula. Segunda, o livro-único (o qual supõe, como é também nossa tradição, o controlo centralizado do ensino).

É possível inovar com o livro único? Claro que é. O livro único pode ser actualizado todos os anos com as mais recentes descobertas no seu domínio do saber, e com as mais modernas técnicas e métodos pedagógicos. E pode o professor, possuindo autoridade suprema e absoluta na sala de aula, inovar nos seus métodos de ensino? Então não pode? Tem a liberdade suprema e absoluta para o fazer. No regime actual, copiado dos países protestantes, onde se retira a autoridade absoluta e suprema ao professor, e se põem os alunos e os pais dos alunos ao nível do professor, é que ele não tem liberdade nenhuma. Só ensina aquilo, e da maneira, que uns e outros consentem. Caso contrário, recebe um rol de reclamações, corre o risco de perder o emprego e, pior que tudo, ainda por cima levar uma tareia.

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