Encontrei a resposta em Tocqueville, ou assim eu julgava. Mas não durou muito. Passados poucos anos, deixei-a cair. Tocqueville estava errado, ou melhor, a sua fundamentação da democracia era de uma grande superficialidade.
Tocqueville tinha ido para a América durante dois anos observar a primeira experiência democrática da humanidade em toda a sua pureza. Por essa altura, já existia democracia em vários países da Europa, mas, como na sua nativa França, eram experiências ainda profundamente contaminadas pelas tradições, os hábitos, as estruturas do ancien régime.
Dir-se-ia que um aristocrata católico, como Tocqueville, representava tudo aquilo que a democracia americana radicalmente rejeitava - aristocracia e catolicismo. E poderia supôr-se também que Tocqueville ia à América para desancar num regime que era contrário a tudo aquilo que ele próprio representava - aristocracia e catolicismo. Mas não, nem uma coisa nem outra. Tocqueville comportou-se como um verdadeiro homem de elite e o livro tornou-se imensamente popular na América até aos dias de hoje.
Tocqueville julgou a democracia americana com uma extraordinária isenção e simpatia e, no final do livro, quando chegou a altura de pronunciar julgamento - ele próprio era juiz de profissão - absolveu-a. Mais difícil foi a fundamentação do julgamento: como justificar a democracia? Hesitou, mas no fim, não sem a dúvida no espírito, acabou por concluir: "Talvez porque Deus quer igualmente bem a todos os seus filhos".
A justificação parece poderosa. Vai às raizes cristãs da civilização buscar a racionalidade para a democracia, e apropriadamente assim, porque, em última instância, todas as civilizações estão fundadas numa religião.
Mas é superficial. É certo que Deus quer igualmente bem a todos os seus filhos. Mas trata-os a todos da mesma maneira, põe todos no mesmo plano, considera-os a todos pares? Não, longe disso. Cristo discriminava entre os homens, e não era pouco (v.g., aqui). Cristo não era nenhum democrata no sentido moderno de pôr todos no mesmo plano.
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