21 dezembro 2011

Emissários culturais

O primeiro-ministro causou recentemente alguma indignação ao sugerir a emigração aos professores portugueses desempregados. Fez-me recuar trinta anos.

No início dos anos 80 conheci numa conferência em Nova Iorque um jovem economista brasileiro. Nessa altura, o Brasil passava por uma crise semelhante à crise portuguesa actual e os brasileiros emigravam em massa. Discutimos as causas da crise e no final ele comentou a propósito do seu próprio país: “Pobre país que não consegue dar de comer aos seus próprios filhos”. A frase, carregada de emoção, tocou-me, tanto mais que eu vinha de um país que, não apenas tinha dado origem ao Brasil, mas que, tal como o Brasil, tinha uma tradição de vagas recorrentes de emigração.

O choque foi tanto maior quando me dei conta que estava na capital económica do país ocidental que tem a maior tradição moderna, não de emigração, mas de imigração – os EUA. Eu próprio, nessa altura, vivia noutro país a norte – o Canadá – também ele com uma grande tradição de imigração, não de emigração. Mas tenho de admitir que nessa altura não consegui encontrar explicação para este fenómeno. Por que é que certos países da civilização ocidental ou cristã (Portugal, Itália, Brasil, etc.) têm tradição de emigração, e outros (EUA, Canadá, Alemanha, Suíça, etc.), a tradição oposta, a de imigração?

Hoje penso que conheço a resposta. Um país de cultura católica ou universal, para possuir dentro das suas fronteiras tudo aquilo que existe no mundo e assim fazer justiça à sua cultura universal, precisa de enviar regulamente ao estrangeiro emissários que depois venham contar o que se passa lá fora e reproduzir no país os modos de pensar e de fazer que existem pelo mundo. É essa a função cultural dos emigrantes. Os emigrantes são os emissários da cultura católica ou universal, sem os quais esta cultura nunca se manteria universal.

Qualquer país de cultura católica acaba por necessidade a gerar, a intervalos regulares de tempo, condições internas (políticas, económicas ou outras) que impelem a uma vaga de emigração por parte da sua população. Sem este mecanismo, eles perderiam a sua cultura católica ou universal.

Na realidade, e vendo o problema agora a esta luz, na civilização ocidental ou cristã, os países de emigração são os países de cultura predominantemente católica, enquanto os países de imigração são os países de cultura predominantemente protestante. A cultura protestante, ao contrário da cultura católica, não emigra. É uma cultura paroquial, que não se interessa por aquilo que se passa fora das suas fronteiras. O filósofo alemão Emanuel Kant, às vezes chamado o filósofo do protestantismo, permanece como um símbolo do paroquialismo da cultura protestante. Em 80 anos de vida (1724-1804) nunca viajou mais de cem quilómetros para além da sua terra natal, Konigsberg.


(Publicado no jornal A Ordem, Dezembro 2011)

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