24 dezembro 2011

um simulacro

"(...) Desde o início da Autonomia Política constitucional a Região Autónoma da Madeira já pagou um total de à volta de 9,2 mil milhões em despesas com a Educação e a Saúde (5,5 mil milhões na Educação e 3,7 mil milhões na Saúde), investimentos incluídos e não contando com o ainda em dívida nestes sectores. Isto significa que só o que a Região Autónoma da Madeira pagou destas despesas que pela Constituição e pela lei cabem ao Estado, representa mais de 3 mil milhões de euros acima da dívida que lhe é atribuída (...) Ora, é esta questão que a República terá de encarar com seriedade na revisão da lei de finanças regionais para breve, imposta pela troika, sem fazer como a avestruz, e sem cair no extremo de um litígio judicial entre o Estado e a Região Autónoma.", Alberto João Jardim, hoje no Jornal da Madeira (páginas 6 e 7).

Enfim, sempre que estou na Madeira, a leitura da propaganda jardinista, o "Jornal da Madeira", que apesar do preço de capa de 10 cêntimos é distribuído maciçamente pela ilha de forma gratuita, é um "must". É sempre uma leitura divertida e que me leva a questionar se estamos mesmo no século XXI ou se ainda estamos no tempo da guerra fria e das teorias da conspiração...

Hoje, véspera de Natal, Alberto João Jardim quebra finalmente o silêncio e num artigo de página e meia "explica" que, afinal, quem deve é o Estado português à Madeira e não a Madeira ao Estado português. Notável! A lógica é simples: é à Administração Central que cabe o financiamento do Saúde e da Educação no arquipélago, não obstante, como o próprio Jardim escreve, a Região Autónoma ter o direito de ficar com os impostos cobrados na ilha. Ou seja, dentro desta lógica, a Região Autónoma tem direitos mas não tem deveres. Quanto aos impostos retidos, imagino que sejam para, entre outras coisas, financiar o Jornal da Madeira e a promiscuidade público partidária que a não adopção de uma Lei de Incompatibilidades (adoptada em todo o território nacional excepto na Madeira) tem permitido ao longo dos anos.

Ora, ainda esta semana, foi amplamente difundido que Portugal já não qualifica como uma democracia sem falhas. Pois não, mas isso já não é de agora. O exemplo da Madeira, por oposição ao que ainda recentemente aconteceu nos Estados Unidos com a condenação de um senador e antigo governador do Illinois, é a prova provada de que a democracia nacional é plena de falhas. É que não esqueçamos o essencial: foi o Governo Regional que ocultou despesas e compromissos que por lei estava obrigado a comunicar a quem de direito, numa situação irregular que prosseguiu sem grandes consequências.

Quanto à extravagante interpretação que Jardim tem dos direitos e deveres da Autonomia Política, na qual alegadamente se apoia num parecer de Gomes Canotilho e de Vital Moreira, representa uma nuvem de fumo destinada a lançar um imbróglio jurídico e, assim, se perder o fio à meada. É lamentável. Mas isto acontece porque neste sistema não há ainda os "checks and balances" sem os quais, considerando-se a nulidade política que resulta da acção da Presidência da República, a acção dos políticos, por omissão ou por comissão, se sobrepõe aos processos democráticos. E este é o drama actual: ninguém tem mão nos representantes eleitos. A verdadeira Democracia, deste modo, não existe. Temos, sim, um simulacro democrático.

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