Em baixo, o artigo que hoje assino na "Vida Económica", a propósito da Grécia (Portugal?), intitulado "Sair do euro".
"Há três semanas, na crónica “O futuro do euro”, defendi que a Grécia estava a um passo de ter de abandonar a moeda única, em face de uma cessação de pagamentos que se seguiria ao fim da ajuda europeia. Escrevi aquelas linhas mesmo sabendo de uma importante cimeira que se avizinhava e da qual, para minha grande surpresa, resultou uma nova e derradeira tentativa de oxigenar a Grécia, através de um perdão da dívida, alicerçada num programa de recapitalização bancária cujo objectivo final, não nos equivoquemos, é na realidade o salvamento dos bancos dos países credores da zona euro, a expensas dos accionistas privados, mas em benefício dos seus respectivos depositantes. Em suma, as decisões daquela reunião de governantes europeus foram positivas, na medida em que procuravam salvaguardar a solidez do sistema bancário da zona euro.
Porém, por mais positivos que os anúncios possam ter soado, os problemas de base mantiveram-se inalterados. A saber, a Grécia continua falida e, mais importante ainda, a população grega mantém-se ferozmente contra as políticas de austeridade orçamental, ainda que beneficiando agora de um perdão parcial da dívida. Em resultado de tudo isto, nas últimas horas, o Governo de Papandreou sucumbiu à pressão das ruas de Atenas e convocou um referendo, a fim de ratificar a última revisão do programa de resgate financeiro, e que, sendo de aplaudir como manifestação suprema do exercício da Democracia, condenará a Grécia a sair do euro. Entre duas paredes, o directório Paris-Berlim e a rua de Atenas, Papandreou está encurralado.
Nos últimos dois anos, tenho escrito abundantemente sobre desequilíbrios macroeconómicos, orçamentos de Estado e perdões de dívida. Mas como os números relativos ao desempenho económico e financeiro de um país são na sua essência manifestações culturais desse mesmo país, rendo-me hoje à evidência de que não se conseguem prescrever soluções técnicas que, sendo boas para uma dada cultura, não sejam aceites por outra. E, assim, vejo na Grécia o exemplo acabado do falhanço associado à construção europeia, representada na ideia de que a integração monetária seria o primeiro passo rumo a uma integração política e, naturalmente, cultural também. É que, por um lado, não há na Europa consciência nem cidadania europeia que permitam a via federal. O legado histórico é demasiado forte e contrário à ideia da união; e a prova disso é que nos diversos referendos que, nos últimos anos e em vários países, têm sido realizados sobre matérias europeias, o “Não” tem prevalecido. Por outro lado, diferentes economias, baseadas em diferentes culturas, não andam ao mesmo ritmo, pelo que a partilha de uma mesma moeda acabará apenas por agravar os desequilíbrios decorrentes dos respectivos modos de vida. Enfim, dito de outro jeito, como não é possível esperar que os gregos vivam, consumam, trabalhem e gastem como alemães, nem vice-versa, o euro nos seus moldes actuais está condenado ao insucesso.
Regressando à situação actual na Grécia, as sondagens indicam dois desejos contraditórios. Primeiro, cerca de 60% da população não quer mais austeridade, nem mesmo beneficiando de um perdão de dívida. E, segundo, mais de 70% da população quer manter-se no euro. Mas, caros leitores, o que os gregos parecem estar a pedir é o melhor dos dois mundos. E, infelizmente, é impossível ter o melhor dos dois mundos. A realidade dos factos é a seguinte: mesmo depois de toda a austeridade do último ano e meio, a Grécia continua a exibir um défice na balança de transacções correntes de quase 10% do PIB, encontrando-se o défice público num patamar idêntico. Acresce ainda uma dívida pública que em percentagem do PIB excede 150%. Ou seja, os gregos continuam a importar mais do que exportam, continuam a consumir mais do que poupam, continuam numa trajectória insustentável. Prevê-se, portanto, austeridade para muitos anos (décadas?), numa altura em que o país já não aceita – aliás, nunca aceitou – tantos cortes que, apesar de tudo, pecam ainda por (muito) escassos. Só há uma saída que politicamente seja viável, economicamente faça sentido e que voluntariamente dependa apenas dos gregos: sair do euro e através da desvalorização cambial corrigir todos os desequilíbrios que afligem a economia grega. Vai custar? Vai – no curto prazo, é provável uma depressão na Grécia, muitos gregos emigrarão, as importações tornar-se-ão proibitivamente caras e a inflação disparará. E valerá a pena? Valerá – no médio prazo, a produção importada será substituída por produção nacional, estimulando, fundamentalmente, o emprego e o crescimento económico. Haverá, acima de tudo, luz ao fundo do túnel, coisa que, atendendo ao modo de vida dos gregos, não existe hoje. É isso que dizem os livros (nomeadamente a obra de Reinhardt e Rogoff, que tanto tenho citado nesta rubrica). É isso que, desde 2002, tem sucedido na Argentina (agora a crescer a quase 10% ao ano). E é isso que parece estar a desenhar-se na Islândia. Ora, na Grécia (Portugal?) não será diferente."
"Há três semanas, na crónica “O futuro do euro”, defendi que a Grécia estava a um passo de ter de abandonar a moeda única, em face de uma cessação de pagamentos que se seguiria ao fim da ajuda europeia. Escrevi aquelas linhas mesmo sabendo de uma importante cimeira que se avizinhava e da qual, para minha grande surpresa, resultou uma nova e derradeira tentativa de oxigenar a Grécia, através de um perdão da dívida, alicerçada num programa de recapitalização bancária cujo objectivo final, não nos equivoquemos, é na realidade o salvamento dos bancos dos países credores da zona euro, a expensas dos accionistas privados, mas em benefício dos seus respectivos depositantes. Em suma, as decisões daquela reunião de governantes europeus foram positivas, na medida em que procuravam salvaguardar a solidez do sistema bancário da zona euro.
Porém, por mais positivos que os anúncios possam ter soado, os problemas de base mantiveram-se inalterados. A saber, a Grécia continua falida e, mais importante ainda, a população grega mantém-se ferozmente contra as políticas de austeridade orçamental, ainda que beneficiando agora de um perdão parcial da dívida. Em resultado de tudo isto, nas últimas horas, o Governo de Papandreou sucumbiu à pressão das ruas de Atenas e convocou um referendo, a fim de ratificar a última revisão do programa de resgate financeiro, e que, sendo de aplaudir como manifestação suprema do exercício da Democracia, condenará a Grécia a sair do euro. Entre duas paredes, o directório Paris-Berlim e a rua de Atenas, Papandreou está encurralado.
Nos últimos dois anos, tenho escrito abundantemente sobre desequilíbrios macroeconómicos, orçamentos de Estado e perdões de dívida. Mas como os números relativos ao desempenho económico e financeiro de um país são na sua essência manifestações culturais desse mesmo país, rendo-me hoje à evidência de que não se conseguem prescrever soluções técnicas que, sendo boas para uma dada cultura, não sejam aceites por outra. E, assim, vejo na Grécia o exemplo acabado do falhanço associado à construção europeia, representada na ideia de que a integração monetária seria o primeiro passo rumo a uma integração política e, naturalmente, cultural também. É que, por um lado, não há na Europa consciência nem cidadania europeia que permitam a via federal. O legado histórico é demasiado forte e contrário à ideia da união; e a prova disso é que nos diversos referendos que, nos últimos anos e em vários países, têm sido realizados sobre matérias europeias, o “Não” tem prevalecido. Por outro lado, diferentes economias, baseadas em diferentes culturas, não andam ao mesmo ritmo, pelo que a partilha de uma mesma moeda acabará apenas por agravar os desequilíbrios decorrentes dos respectivos modos de vida. Enfim, dito de outro jeito, como não é possível esperar que os gregos vivam, consumam, trabalhem e gastem como alemães, nem vice-versa, o euro nos seus moldes actuais está condenado ao insucesso.
Regressando à situação actual na Grécia, as sondagens indicam dois desejos contraditórios. Primeiro, cerca de 60% da população não quer mais austeridade, nem mesmo beneficiando de um perdão de dívida. E, segundo, mais de 70% da população quer manter-se no euro. Mas, caros leitores, o que os gregos parecem estar a pedir é o melhor dos dois mundos. E, infelizmente, é impossível ter o melhor dos dois mundos. A realidade dos factos é a seguinte: mesmo depois de toda a austeridade do último ano e meio, a Grécia continua a exibir um défice na balança de transacções correntes de quase 10% do PIB, encontrando-se o défice público num patamar idêntico. Acresce ainda uma dívida pública que em percentagem do PIB excede 150%. Ou seja, os gregos continuam a importar mais do que exportam, continuam a consumir mais do que poupam, continuam numa trajectória insustentável. Prevê-se, portanto, austeridade para muitos anos (décadas?), numa altura em que o país já não aceita – aliás, nunca aceitou – tantos cortes que, apesar de tudo, pecam ainda por (muito) escassos. Só há uma saída que politicamente seja viável, economicamente faça sentido e que voluntariamente dependa apenas dos gregos: sair do euro e através da desvalorização cambial corrigir todos os desequilíbrios que afligem a economia grega. Vai custar? Vai – no curto prazo, é provável uma depressão na Grécia, muitos gregos emigrarão, as importações tornar-se-ão proibitivamente caras e a inflação disparará. E valerá a pena? Valerá – no médio prazo, a produção importada será substituída por produção nacional, estimulando, fundamentalmente, o emprego e o crescimento económico. Haverá, acima de tudo, luz ao fundo do túnel, coisa que, atendendo ao modo de vida dos gregos, não existe hoje. É isso que dizem os livros (nomeadamente a obra de Reinhardt e Rogoff, que tanto tenho citado nesta rubrica). É isso que, desde 2002, tem sucedido na Argentina (agora a crescer a quase 10% ao ano). E é isso que parece estar a desenhar-se na Islândia. Ora, na Grécia (Portugal?) não será diferente."
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