23 outubro 2011

Navegando à vista

“(…) apesar dos riscos, eu aceitaria a instabilidade de curto prazo, perpetrada por mudanças hoje tidas como radicais, em prol de um futuro potencialmente melhor e mais dinâmico, em vez da morte lenta em que nos encontramos. Infelizmente, esta opção comporta riscos para os quais a generalidade da população não está ciente e para os quais, provavelmente, não está disponível. Ora, a actuação hipócrita dos partidos, sempre em busca de dividendos políticos instantâneos, alimenta esse desconhecimento, essa visão distorcida da realidade, até ao dia em que o mundo, efectivamente, mudar para a população em geral, mudando para pior ou para muito pior. A tempestade perfeita está à nossa porta, sendo que não é certo que a bonança esteja imediatamente ao virar da esquina. É uma pena, mas, na ausência de instrumentos, navegamos à vista.”, “Vida Económica”, artigo “Navegando à vista”, publicado em Novembro de 2010.

O nosso País é reconhecidamente um País com défice de participação cívica. A inexistência de debate intelectualizado, factual e prospectivo, por um lado, e uma certa sensação de impotência, por outro, fazem com que o País permaneça subjugado a uma classe política, em geral, impreparada.

Assim, a qualidade da Democracia em Portugal só melhorará no dia em que a dita sociedade civil se libertar de uma amarra auto infligida. Mas como, e quando, conseguiremos isso? Ora, confesso que não sei. É, aliás, neste ponto que reside a principal fragilidade da ideia de Democracia Directa, que tenho defendido nos últimos anos. É que, há quem diga, o povo não quer pensar, pelo que, é provável que também não saiba pensar. E, pior ainda, dizem os críticos, não querendo nem sabendo pensar, como se esperará que possa decidir? Sobretudo, que se possa sentir responsabilizado por essas decisões?

Infelizmente, a situação a que chegámos, de ruína financeira e política, é reflexo da desresponsabilização colectiva a que o eleitoral nacional se auto votou. É, por isso, que apesar dos eventuais riscos associados a decisões genuinamente más, urge inverter este caminho de passividade generalizada e de falta de intervenção cívica que caracteriza os cidadãos do nosso País. Como? Convocando, deliberadamente, esses mesmos cidadãos, através de referendos populares com carácter de regularidade, sobre assuntos de superior interesse nacional (como, por exemplo, o Orçamento de Estado), vinculando-os às decisões.

A ideia de que é através da participação partidária que se intervém politicamente, a fim de construir uma Democracia melhor, falhou em toda a linha; na realidade, são os partidos políticos que, infelizmente, estão na raiz do problema. E é por isso que a resposta para uma maior, mais eficaz e melhor participação cívica, o tal exercício activo da cidadania, não está na actual Democracia Representativa, sobretudo em Portugal onde é preciso que os cidadãos participem activamente na vida política (diferente de partidária) do País e que o façam, esperançosamente, de modo pró activo e preparado.

Nos últimos anos, não faltaram pessoas a alertar para a catástrofe que se avizinhava. Medina Carreira, no domínio das contas públicas, foi talvez o expoente máximo desses alertas. Mas houve outras pessoas que, descomprometidas do aparelhismo partidário, também se fizeram ouvir. Infelizmente, esses mensageiros foram descartados porque, não estando no circuito partidário, não influenciariam o rumo dos acontecimentos. E assim se juntou a passividade à impreparação. A navegação à vista deu no que deu.

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