05 maio 2011

a variância



A democracia tem sucessivamente falhado em Portugal porque nunca houve no país um esforço intelectual sério para compreender a sociedade portuguesa - uma tarefa que competiria, em primeiro lugar, às Universidades.

A primeira geração moderna de intelectuais a procurar compreender a sociedade portuguesa foi a geração de 70, homens como Oliveira Martins, Eça de Queirós, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga e vários outros. Feita homenagem aos seus talentos poéticos e romancistas, eram uns broncos em termos de pensamento social. E o mais bronco de todos era Ramalho Ortigão, o célebre autor d' As Farpas (em parceria com Eça de Queirós, até este ter arranjado um tacho).

A situação não melhorou muito desde então. Continuaram a aplicar-se os modos de pensamento protestantes à análise da sociedade portuguesa, que é uma sociedade profundamente católica, e esses métodos de pensamento continuaram a falhar rotundamente. De Portugal não sai há séculos uma ideia original em termos de pensamento social.

São muitas as razões que tornam os modos de pensamento protestantes inadequados para a compreensão de uma sociedade de tradição católica. Uma delas é a variância. Nas sociedades protestantes as pessoas, nas suas expressões públicas, comportam-se de um modo muito mais igual do que nas sociedades católicas. Qualquer atributo pessoal ou social está distribuído em Portugal com muito maior variância do que nos países protestantes. Não existem, por isso, leis sociais com o grau de generalidade que é válido para as sociedades protestantes. Uma sociedade católica, como Portugal, é uma sociedade de grupos, de igrejas ou capelas, com culturas e valores que são às vezes radicalmente diferentes umas das outras (como acontece entre o povo e a elite) e que só é compreensível na análise da subcultura específica de cada grupo e na interrelação entre esses grupos ou capelas.

Nos últimos anos em Portugal, por força da democracia, foi-se tornando claro que os valores da elite foram progressivamente desaparecendo da cena social para dar lugar aos valores que são predominantemente do povo - a sua aversão à autoridade, a sua propensão para a gratificação das coisas do corpo, a sua irreligiosidade, a sua emotividade,a sua tendência para falar de cor, a sua falta de sentido de verdade e de justiça, a sua irresponsabilidade, o seu materialismo desbragado, etc. Os resultados estão à vista, e deviam ter sido previstos, tanto mais que não é a primeira vez que a democracia falha em Portugal.

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