15 maio 2011

uma triste realidade (II)

"Os dois traços terríveis dos portugueses são o provincianismo, de que os cosmopolitas Eça (sobretudo Fradique Mendes) e Pessoa se desgostavam, e a subserviência. Esta subserviência é o parente pobre e da província da soberba. (...) As Conferências do Estoril são um palco ideal onde se representam alguns desses traços. Gente como Francis Fukuyama, ou Mohamed El Baradei, comportam-se com modos e civilidade, respeito pelos outros, dom que certos portugueses de meia tigela (grande expressão) que arrotam postas de pescada não têm nem terão. Vou contar um episódio. Num dos dias entrei no perímetro do Centro de Congressos do Estoril dentro de um belo carro, um Mercedes descapotável último modelo. Antes de tentar entrar na faixa de rodagem destinada ao parque de estacionamento reservado, precipitaram-se sobre mim, e o carro, vários polícias com sorriso e postura amável que indicaram a direcção com grande espírito de serviço e boa educação. Em seguida, vários jovens de fatinho ofereceram-me o dístico do Parque (...) No dia seguinte, entrei no mesmo perímetro reservado ao volante de um velho Twingo com o dístico 'dos eleitos' bem à vista. Os polícias mandaram-me logo parar com ar carrancudo quando tentei avançar para o parque, apesar de ter o dístico bem colocado. Onde é que vai? Disse que ia apresentar o último orador, Mohamed El Baradei. Não se deixou impressionar (...) Este pequeno filme português também podia e devia ser apresentado não aos finlandeses mas a todos os portugueses. É o traço comum do nosso subdesenvolvimento. Os pobres curvando a espinha e tirando respeitosamente o chapéu da cabeça perante os fidalgos da casa mourisca. E, para ser rico, neste país, basta ter um carro bom. É o símbolo do status. Não admira que haja tanto empresário pato bravo que não queira ter um Ferrari Testarossa. Se eu entrasse de Aston Martin não era eu que apresentava Baradei, era ele que me apresentava a mim, segundo a ontologia daquelas cabecinhas dos jovens de fatinho que pululavam. O fato de Francis Fukuyama, por acaso, era dos mais amachucados. Se entrasse com ele no Twingo punham-nos fora.", Clara Ferreira Alves, esta semana na revista "Única".

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