25 maio 2011

o diabo

Muito se tem escrito acerca da forma como os países sujeitos à Reforma protestante eliminaram ou, pelo menos, reduziram apreciavelmente a influência dos padres nas suas respectivas sociedades. Cortaram os vínculos com o Vaticano, perseguiram o clero, confiscaram-lhe a riqueza e, nalguns casos, literalmente proibiram a Igreja Católica.

Menos discutida tem sido a forma como esses países eliminaram, ou pelo menos reduziram apreciavelmente, a influência social da franja oposta da sociedade - a ralé. Uma parte, foi internada compulsivamente em hospícios, outra parte foi directamente para a prisão. Mas a parte mais significativa passou a estar sob o controlo absoluto do Estado. Foi a ideia de não permitir florescer na sociedade os valores e os comportamentos radicalmente anti-sociais da ralé que levou à instituição do Estado Social.

O Estado Social é uma criação protestante do muito anti-católico Otto von Bismarck na Prússia. A ideia que lhe subjaz é a de o Estado tomar conta daqueles que não sabem, ou não conseguem, governar-se a si próprios. O Estado dava dinheiro, casa, comida, educação, cuidados de saúde. Em troca, exigia certos comportamentos determinados por padrões mínimos, e estabelecidos por lei, e abaixo dos quais a ralé não podia viver. Daí surgiram a escolaridade mínima e obrigatória, as condições mínimas de higiene e segurança na habitação, na alimentação, etc. Todas estas instituições não podiam ser senão criações protestantes.

O protestantismo aparou as abas da distribuição social, eliminando os seus extremos - a elite e a ralé - e tornou a sociedade mais igual. O pêndulo deixou de poder oscilar livremente entre os seus dois extremos naturais, à semelhança de um espírito de mulher, e passou a estar numa posição fixa, em torno da qual era permitida apenas uma pequena margem de variabilidade, à semelhança do espírito de um homem.

As sociedades protestantes acabaram com os exageros das sociedades católicas, que ocorrem quando estas pendem excessivamente para uma das abas da distribuição. Tornaram-se sociedades mais sóbrias onde as virtudes cristãs são praticadas virtualmente por todos de forma equilibrada, ao contrário das sociedades católicas, onde elas são praticadas excessivamente por uns - os padres, a elite -, e nada por outros - a ralé. Na sociedade protestante pura, não se espera que ninguém imite Cristo - na figura do padre católico - mas não é permitido a ninguém ser um diabo. Nas sociedades de tradição católica, Cristo e o diabo coexistem lado a lado, às vezes são vizinhos, e ocorrem períodos em que o diabo parece prevalecer.

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