Todas as revoluções em Portugal obedecem invariavelmente aos seguintes parâmetros:
1. Uma unidade militar sai para a rua e dirige-se ao Terreiro do Paço para depôr o regime.
2. As forças afectas ao regime ficam nos quarteis, não interceptando os revoltosos.
3. O povo mete-se em casa a ver para que lado a coisa cai.
4. Os revoltosos triunfam.
5. O povo sai para a rua a vitoriar os revoltosos.
Foi assim o 25 de Abril, foi assim o 28 de Maio, foi assim o 5 de Outubro, foram assim todas as revoluções em Portugal. Nunca há combate, nunca há feridos, nunca há mortos, nunca há sangue.
O ponto 5 não merece grandes desenvolvimentos. No 28 de Maio, o povo vitoriou a ditadura contra a democracia, no 25 de Abril vitoriou a democracia contra a ditadura. A 5 de Outubro o povo vitoriou a República contra a Monarquia, mas se amanhã um general monárquico marchasse sobre o Terreiro do Paço, no dia seguinte o povo vitoriava a Monarquia contra a República.
O ponto mais intrigante é o ponto 2. Porque é que as forças afectas ao regime nunca reagem, interceptando e combatendo os revoltosos? A cultura católica, como mencionei noutro post, é uma cultura que não se defende. A defesa exige confronto, frequentemente violência, às vezes sangue, e a cultura portuguesa (católica), fazendo prova de mais uma das suas características femininas, é radicalmente avessa à violência.
Imaginemos que uma ou mais unidades militares afectas ao regime decidem saír para a rua e fazer frente aos revoltosos. Vai haver combate, feridos, mortos, vai haver sangue - e a cultura portuguesa (católica) detesta tudo isto.
Curados os feridos e enterrados os mortos, a sociedade portuguesa vai julgar e, com a falta de julgamento que lhe é proverbial, quem é que irá condenar pelos feridos e pelos mortos, as forças revoltosas ou as forças afectas ao regime? Sem dúvida, as forças afectas ao regime, porque se elas tivessem ficado quietas no quarteis, não tinha havido vítimas.
O Raúl Solnado na sua célebre charla "A Guerra de 1908" tinha uma frase que ficou célebre: "Estava eu a matar muito quentinho ... ". E eu imagino, em termos caricaturais, o general-chefe dos revoltosos a depôr num tribunal militar contra os generais do regime que decidiram fazer-lhe frente: "Estava eu a fazer a revolução muito quentinho ... e aqueles senhores vieram meter-se comigo, aos tiros contra mim e os meus homens ... Tive de me defender ... Se não fossem eles, ninguém tinha morrido." O povo português e o tribunal vão dar razão aos revoltosos e condenar os generais do regime. É por isso que eles nunca saem dos quarteis para interceptar os revoltosos, e as revoluções portuguesas triunfam sempre. Sem sangue e, às vezes até, com flores.
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