"Em Dezembro passado, o então Governo irlandês negociou um plano de ajuda externa, junto da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, que, passadas algumas semanas, resultou na queda daquele executivo e na eleição de um outro que, mandatado pelo povo para renegociar aquela mesma ajuda, se posiciona agora em campo. As pretensões do novo Governo são muito simples: alongar o prazo de reembolso do empréstimo, baixar o preço (juro) e, provavelmente, baixar também o próprio volume (“stock”) de dívida que lhe está associado. Afinal, queixam-se os irlandeses de que, com tamanho fardo creditício, não haverá luz ao fundo do túnel. E que, assim, estão condenados a muitos anos (décadas?) de sacrifícios sem qualquer recompensa à vista.
Ora, a nós, portugueses, a perspectiva irlandesa é-nos muito familiar. Aqui, como lá, também não há qualquer esperança ou razão para grandes (ou pequenos) optimismos. Pelo contrário, poucos são aqueles que, no mundo político e no mundo civil, conseguem perspectivar uma forma pragmática para sairmos da crise. Assim, se neste momento já nos queixamos, imaginem só a contestação que se sentirá se, realmente, batermos na parede…É que não tenhamos dúvidas: existe, hoje, uma probabilidade real de, um dia destes, o Estado não ter dinheiro para pagar aos seus funcionários, pensionistas ou fornecedores. E se isso suceder, o efeito transmitir-se-á ao sector privado, parando, literalmente, o País. Neste aspecto, a origem e a causa do problema não é especificamente do partido A, B ou C; o problema é de Regime e da dívida que este foi acumulando ao longo dos anos.
Os números que hoje caracterizam a crise creditícia que aflige Portugal são assustadores. A dívida externa – ou seja, a dívida conjunta do Estado, das empresas e dos particulares, ao exterior – é de duzentos e trinta mil milhões de euros. O défice comercial é de quase dez por cento do PIB. E as necessidades líquidas de financiamento para este ano, apesar de toda a austeridade anunciada e dos mais de dois mil milhões de euros que a União Europeia (através do QREN) prevê cá meter anualmente até 2013, são de onze mil milhões. Ora, este panorama é insustentável como, todos aqueles que mensalmente pagam as suas contas, devem saber. Restam-nos, portanto, duas alternativas: aceitar um novo empréstimo, leonino, como fez a Irlanda em Dezembro ou, pura e simplesmente, adoptar uma posição mais radical – não pagando.
Esta última hipótese é ainda um tabu. Porventura, nem sequer é viável, dada a teia intrincada de interesses e o efeito dominó que um incumprimento dessa natureza provocaria – mesmo tratando-se de uma pequena economia como a portuguesa. Porém, é uma hipótese que, sendo académica, tem correspondência parcial naquilo que um outro pequeno país, a Islândia, fez nos últimos dois anos. A Islândia foi o primeiro país a entrar em crise, tendo, ao contrário da Irlanda, renegado ao salvamento integral dos seus bancos e rejeitado pagar certas contas. Em resultado disso, está afastada dos mercados internacionais e o próprio Fundo Monetário Internacional, que começou por ajuda-la, ameaça não libertar mais dinheiro se certos compromissos financeiros não forem honrados. Contudo, neste intervalo de tempo, aquele pequeno país de trezentos e vinte mil habitantes já saiu da recessão, tendo terminado o último trimestre de 2010 com um crescimento real do PIB de 1,2% face ao período homólogo.
Dir-se-á: pura sorte! Respondo eu: não – a História demonstra que, a partir de certos níveis de endividamento, os países têm um incentivo a deixar de pagar. E que, em resultado desse incumprimento, as vantagens associadas à recuperação da economia – que deixa de trabalhar apenas para pagar juros – ultrapassam os custos de ficar isolado do resto do mundo, sem financiadores e sem grandes amigos. Aquilo que aconteceu na Islândia – um afundanço em 2008 e 2009, seguido de uma recuperação em 2010 – ilustra o padrão típico percorrido pelos países que declaram incumprimento na sua dívida. De facto, de acordo com os economistas Cármen Reinhardt e Kenneth Rogoff em “This time is different – Eight centuries of Financial Folly” (página 132), nos três anos que precedem o incumprimento a contracção média anual da economia é de 1,9%, à qual se seguirá, nos três anos após o incumprimento, um crescimento médio anual de 2,9%, tudo isto já ajustado pela inflação. Moral da história: se não houver renegociação da dívida irlandesa (e da portuguesa), não haverá luz ao fundo do túnel na Irlanda (nem em Portugal). E se não houver luz ao fundo do túnel estará aberto o caminho para a adopção de soluções radicais…"
(*) O meu artigo de hoje no jornal "Vida Económica".
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