18 abril 2011

hospício

Uma das principais fraquezas dos católicos, diz o bispo de Viana aqui, "é não se aguentarem no embate com os outros". Esta é, de facto, uma das principais fragilidades da cultura católica, talvez devido à sua natureza feminina - a de não se saber defender. Mas não apenas isso. Esta é também uma cultura que, ela própria, produz os seus principais inimigos. É assim na Igreja Católica e é assim em todos os países de cultura católica, como Portugal.

A defesa que a cultura católica fez contra a ofensiva protestante a partir do século XVI faz-nos corar de vergonha, a nós, portugueses, e aos espanhóis, os dois países que eram então os detentores de respeitáveis impérios construídos em nome da fé católica. A reacção da Igreja não foi melhor. Em lugar de oferecerem um combate intelectual vigoroso ao protestantismo, a Igreja, Portugal e a Espanha entricheiraram-se, fecharam-se nas suas fronteiras, depois de terem posto fora todos aqueles que eram suspeitos de poderem colaborar com o inimigo - como os judeus. Os séculos que se seguiram não podiam deixar de ser trágicos para todos eles - Portugal, Espanha e Igreja Católica.

Houve excepções, claro, porque na cultura católica há sempre excepções - na realiadde, a cultura católica é uma cultura de excepções. A principal foi a dos Jesuítas, uma Ordem que havia sido formada com o propósito explícito de combater intelectualmente o protestantismo. Apesar da excelência do seu trabalho, e da grandiosidade da tarefa, os Jesuítas acabaram por falhar também, porque, não lhes bastando já o inimigo, foram boicotados a partir de dentro da cultura católica, expulsos dos países católicos, e a Companhia de Jesus acabaria mesmo por ser extinta pela Igreja (e só muito mais tarde restabelecida).

A cultura católica não se defende nem se deixa defender, e os seus principais inimigos saem invariavelmente do seu seio. Lutero, a figura paradigmática do protestantismo, era um padre católico.

Na situação actual em que Portugal se encontra, os seus principais inimigos não são nem os finlandeses nem os alemães que contestam a ajuda ao país, e com muita razão. A União Europeia anda há 25 anos a dar-nos dinheiro para nós nos pormos ao nível dos outros países em termos de produtividade - dinheiro para a formação profissional, para as infraestruturas produtivas, como estradas, portos e pontes. Porém, somente nos últimos 12 anos, desde a entrada do Euro, não só não conseguimos pôrmo-nos ao nível, como a produtividade na Alemanha aumentou perto de 30% em relação à nossa.

Dizer que o Euro favorece a Alemanha porque lhe permite continuar a exportar abundantemente e manter níveis de emprego e crescimento económico elevados é, pois uma falácia. Se nós tivéssemos aproveitado o dinheiro que a Alemanha nos deu - porque é dela principalmente o dinheiro que vem da UE - e o tivéssemos traduzido no aumento da produtividade a que ele se destinava, nós estaríamos hoje a exportar, na devida proporção, tanto como a Alemanha, e nenhum dos problemas financeiros e económicos que nos afligem existiriam.

O tom que se observa nos jornais portugueses, de que os finlandeses e os alemães que se opõem à ajuda a Portugal, são maus, agora que Portugal, essa figura de donzela desprotegida, tanto precisava da sua solidariedade, reflecte um dos maiores vícios da nossa cultura - a vitimização, a atitude do coitadinho, que serve sempre de prelúdio à irresponsabilização. Os culpados pela situação em que Portugal se encontra são os portugueses, e não existem outros. Os inimigos de Portugal estão cá dentro, não lá fora - como é típico da cultura católica.

Se alguém espera que alemães, finlandeses, dinamarqueses ou suecos tenham compaixão por Portugal está muito enganado. A figura do coitadinho não existe na sua cultura luterana, a compaixão é um sentimento feminino próprio da cultura católica. Um homem ou um povo, a quem Deus deu cabeça, tronco e membros, e boa saúde para trabalhar, e se conduz pelas suas próprias mãos à pobreza e à ruína, não é um coitadinho, nem merece compaixão. É um irresponsável, um pária, um miserável que só merece ser metido à força num hospício. É assim que eles pensam e é assim que eles nos vão tratar.

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