26 abril 2011

Estado de mal estar

Ontem, a propósito das comemorações do 25 de Abril, estive numa pequena charla que a RTP-N promoveu e que andou à volta de temas como "Valeu a pena o 25 de Abril?" ou "Como mudou o País desde então?" A tertúlia foi interessante. E no meu caso, foi uma oportunidade para extravasar o âmbito restrito das apreciações técnicas (sobre macroeconomia e mercados) às quais me circunscrevo quando falo na televisão ou quando escrevo nos jornais. Deu para dar voz a um estado de indignação que, cada vez mais, me atravessa a alma. É que o estado do País tornou-se, de facto, numa dor de alma...

Assim, e citando o Luciano Amaral e o seu magnífico livro "Economia Portuguesa" (página 27), publicado pela louvável Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), também eu sou da opinião que "Interessante é verificar como, depois do 25 de Abril, Portugal foi muito mais bem sucedido a convergir em termos institucionais (Democracia e Estado-Providência) do que económicos, como que invertendo o sucedido no período anterior [Estado Novo]". Ora, os factos são indiscutíveis (fontes: "Economia Portuguesa" e "Portugal e os Números", também da FFMS): a evolução que se registou na Educação (redução da taxa de analfabetismo, de quase 30% em 1970 para menos de 10% nos dias de hoje; nº de doutoramentos, de 61 novos doutorados em 1960 para quase 1500 em 2008), na Saúde (nº de médicos e enfermeiros por cada 100 mil habitantes, de 80 médicos e 108 enfermeiros por cada 100 mil habitantes em 1960 para 367 e 534, respectivamente, em 2008) e na Segurança Social (nº de pensionistas no regime geral, de 56 mil em 1960 para quase 3 milhões em 2008), ou seja, a melhoria alcançada nas áreas sociais, não foi acompanhada de uma evolução proporcional no crescimento económico.

Deste modo, estamos hoje, comparando o nosso PIB per capita face ao PIB per capita dos países mais desenvolvidos do mundo, apenas ligeiramente melhor do que estávamos por alturas do 25 de Abril. A riqueza média por habitante de Portugal é hoje de 60% da riqueza média por habitante dos países mais desenvolvidos, sendo que em 1974 esse rácio era de 50% e que a quase totalidade da convergência obtida desde então se resumiu ao período 1986-1992. Em 1930 essa mesma leitura era de 30%. Ou seja, do ponto de vista estritamente económico, a evolução registada em cerca de 40 anos de Estado Novo, em particular no período entre 1950 e 1974, foi muito superior ao crescimento registado nos quase 40 anos que levamos em Democracia. Crescemos em Democracia, é certo, porém, o resto do mundo cresceu bem mais. Não é, por isso, de estranhar que a Economia Portuguesa se encontre hoje em recessão crónica e que a taxa de desemprego atinja níveis recorde, ao contrário de então quando o produto crescia vigorosamente (em 1973, o PIB português cresceu 11%) e o desemprego quase não existia (em 1973, a taxa de desemprego foi de 1,5%).

Posto isto, valeu a pena o 25 de Abril? Sem dúvida que sim. Porém, nos últimos dez anos, a deterioração do País foi notória: divergimos do resto do mundo. E o País defraudou as expectativas que os avanços sociais, decorrentes do 25 de Abril, permitiram alimentar. De quem é a responsabilidade? É, em primeiro lugar, dos portugueses e, em segundo lugar, da sua estrutura política. Dos portugueses porque se desinteressaram do estado da Nação; preocuparam-se muito com os seus direitos e muito pouco com os seus deveres. E dos políticos porque a corromperam, desbaratando recursos públicos em prol de agendas partidárias. Na realidade, só um clima de opinião acrítica, como aquele que se verifica em Portugal, pode justificar que, mesmo em face da repetida insolvência do Regime, não exista uma natural renovação da estrutura política e que se continuem a premiar os mesmos Lellos de sempre deste, cada vez mais, pobre e pequeno mundo que é Portugal. E só num clima de opinião verdadeiramente acrítica se toleram, impunemente, os abusos que, por cá, o poder e os cargos institucionais permitem perpetrar. Enfim, creio que não foi para isto que se fez Abril. É, portanto, o regresso às origens, o regresso a um certo idealismo revolucionário, que importa promover. As revoluções fazem-se para combater Estados de mal. E, infelizmente, o Estado actual, não sendo ainda de mal extremo - para lá caminha -, também já não é de bem.

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