20 abril 2011

o bafo

Portugal não será nunca um país liberal no sentido anglo-saxónico, como é a Inglaterra ou os EUA. São muitas as especificidades culturais que o impedem de ser, cada uma parecendo insignificante, mas que no conjunto formam uma cultura que é avessa ao liberalismo.


Proponho-me tratar neste post uma delas - a da iniciativa empresarial.


Num país liberal, a iniciativa empresarial pertence ao empresário. Cabe ao empresário idealizar o seu projecto e executá-lo, independentemente do poder político e sem que o poder político alguma vez se lhe atravesse no caminho.


Na tradição portuguesa (católica) a iniciativa empresarial desenrola-se de modo diferente. O empresário idealiza o projecto, mas não ousa executá-lo antes de sondar o poder político para a sua aprovação. Se o projecto empresarial tem uma dimensão nacional, o empresário procura saber a opinião do Governo, através de algum ministro ou do próprio primeiro-ministro. Se o projecto tem uma dimensão local, esta última função será desempenhada pelo Presidente da Câmara. Mas, em geral, nenhum empresário ousa avançar com um projecto sem que tenha o consentimento tácito ou explícito do Poder.


Salazar, que era um excelente observador da cultura portuguesa, descreveu assim esta característica da iniciativa empresarial portuguesa: "A constituição familiar, a organização religiosa, a economia privada, a associação espontânea ou voluntária para fins culturais, morais, desportivos, de puro interesse material ou ideal, tudo parece oscilar e de facto depende do bafo salutar ou maléfico do Poder" (Discursos, 1946).


Esta característica cultural, que é distintamente católica (nenhum padre avança com uma iniciativa possuindo um carácter público sem primeiro dar conhecimento ao Bispo, e este, a outra escala, ao Papa) estabelece uma fronteira muito fina entre uma economia sadia e aquela que nada em corrupção - e a linha divisória é a honestidade dos políticos.


Se toda a iniciativa empresarial depende, em última instância, do consentimento, ainda que tácito, dos políticos, então, todo o homem sem escrúpulos, e que queira enriquecer rapidamente, aquilo que tem a fazer é envolver-se na política. O consentimento que, em dado momento, ele deu a um projecto empresarial, até o simples encorajamento, valer-lhe-à um lugar bem remunerado na administração da empresa, logo que ele saia da política. Foi certamente o reconhecimento desta realidade que em tempos levou um ex-ministro português a dizer: "O que é bom não é ser ministro. O que é bom é ter sido ministro".


Esta característica cultural, por outro lado, ao envolver o poder político na iniciativa empresarial conduz, se não houver cuidado, a tirar o risco empresarial de cima das costas do empresário e a transferi-lo para o Estado. Se o projecto empresarial só foi para a frente depois de o Poder político ter sido consultado e dado o seu aval, então, quando as coisas correrem mal, é apenas consequência lógica que o Estado seja chamado a pagar a factura. Daqui resulta também aquela figura típica do grande empresário português (embora existam excepções), e que se traduz na promiscuidade das suas relações com o poder político. Quando a empresa tem ganhos, são dele; quando perde, ele pede ao Estado que ponha o dinheiro.


Atenta esta característica cultural portuguesa (católica) é necessário um poder político muito distanciado da população, e dos empresários em particular, para que a vida empresarial portuguesa decorra num clima de sanidade. Ora, a democracia não é propícia a esse afastamento, porque o Poder político necessita da população em geral, e da influência dos empresários em particular, para se fazer eleger. Em democracia, aquilo que é de esperar é um clima de promiscuidade entre negócios e a política.

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