Num post do PC reproduzido recentemente aqui, o Rui A., depois de concordar com o meu disgnostico cultural da sociedade portuguesa, diverge da solução, no sentido em que me atribui o desejo de impôr um ditador à Portugal.
Eu nunca falei em tal coisa. Aquilo de que eu tenho falado é de uma figura de autoridade, cujo paradigma é a figura do Papa e, em menor medida, a de um pai de família. O Papa (tal como um pai de família), não é um ditador, embora tivesse poderes para o ser. A diferença principal entre a figura de autoridade da tradição católica e a figura do ditador é que a primeira submete-se á comunidade e serve a comunidade ao passo que a segunda impôe-se a ela e serve-se dela.
Na cultura católica, Deus é pessoal, e cada um mantém uma relaçã pessoal com Deus, por isso existem tantos caminhos para chegar a Deus e à Verdade quantas as pessoas. Ponha-se à discussão pública qualquer questão importante (como a de Deus e a Verdade), e a capacidade de entendimento é nula, porque cada um julga que o caminho para Deus é o seu caminho, a Verdade é a sua verdade, e este caminho e esta verdade são diferentes das de todos os outros.
Portugal necessita agora desesperadamente de ajuda financeira; a Europa tem uma programa de ajuda pronto há semanas; mas os portugueses são incapazes de se entenderem acerca da forma de o aceitar. Nem sequer para aceitarem dinheiro, de que eles precisam desesperadamente, e que os outros estão prontos a oferecer, os portugueses se conseguem entende. A perplexidade internacional é total. Mas não é surpreendente. É a falta de entendimento típica de um povo católico. E não acontece somente com o povo, acontece também com pessoas de quem se esperaria muito mais.
A abertura trazida pelo Concílio Vaticano II dos anos sessenta trouxe a anarquia doutrinal à Igreja, onde tudo e o seu contrário, mesmo as doutrinas mais profundamente anti-cristãs, como a teologia da libertação, passaram a ser tomadas por catolicismo. Foi necessário o Papa João Paulo II publicar o novo Catecismo da Igreja Católica em 1993 (elaborado por uma comissão presidida pelo então cardeal Ratzinger) para pôr termo à discussão. A mensagem era clara: "Catolicismo é isto que está no Catecismo. Mais nada. E acabou-se a discussão".
O Princípio da Infalibilidade do Papa (que, na minha opinião seria melhor chamado o "Princípio da Última Palavra") é uma faculdade que assiste ao Papa (e a qualquer pai de família), não para impôr uma mal à sua comunidade, mas antes para a livrar de um mal - o caos para onde irremediavelmente ela resvalaria se esse princípio de autoridade não existisse.
Existe, porém, um mal-entendido ainda maior na concepção de autoridade a que o Rui A. se refere, e que é um mal-entendido criado pela tradição protestante de pensamento. Trata-se de identificar autoridade com ditadura, quando a realidade é que a característica maior da autoridade católica é a de servir a comunidade (o bem comum), não a de impôr.
O Papa impõe o quê a quem? Ele só se vê a impôr ao clero católico o cumprimento das regras de disciplina da Igreja que os próprios padres voluntariamente aceitaram pelos seus votos. Não o vejo a impôr mais nada a mais ninguém, e nesta imposição eu não vejo qualquer sinal de ditadura ou de abuso. Vejo um sinal de protecção da sua comunidade (Igreja).
Servir a sua família, a sua comunidade, em nome do bem comum, é também a principal característica dessa outra figura paradigmática de autoridade que é o pai de família. Impôr aos filhos regras de disciplina para que eles não se tornem pessoas indecentes ou que facilmente se percam na vida, é um sinal de protecção, não de ditadura ou de abuso. Quanto ao resto, que é o principal, ser pai é sacrificar-se pela sua família, servi-la no mais genuíno sentido da palavra, como qualquer homem, que já tenha criado uma família, e que seja verdadeiramente um homem, muito bem sabe.
Salazar foi também, inquestionavelmente, uma dessas verdadeiras figuras de autoridade da tradição católica, uma autoridade que serviu o seu país com consideráveis renúncias e sacrifícios pessoais. E esta é a diferença principal entre ele e aqueles que agora ocupam o poder. Estes não são figuras de autoridade. São meras figuras do poder. Porque, na sua esmagadora maioria, eles não estão lá para servir a comunidade. Estão lá para se servir da comunidade.
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