Está confirmado: toda a imprensa de hoje destaca a entrada em acção do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), a fim de acorrer ao leilão de dívida pública agendado para esta manhã. Confirma-se, também, que tal como avancei à revista "Visão" há duas semanas, esta seria a solução de último recurso. Dito isto, resta-me acrescentar: sendo previsível que os políticos enveredassem por este caminho fácil, parece-me uma avenida ilegítima e, em bom português, um escândalo.
Recordemos o seguinte: o FEFSS foi criado com o objectivo de, um dia, acomodar eventuais dificuldades de tesouraria da Segurança Social, pois, tendo em conta a evolução demográfica do País, chegará o dia em que os descontos para a Segurança Social - as suas receitas - não serão suficientes para cobrir o volume de pagamentos associados às pensões. Ora, esse seria o momento apropriado para accionar o FEFSS, em conformidade com o fim para o qual foi criado, capitalizado e gerido. Em suma, o fundo não foi criado com o objectivo de financiar directamente a ineficiência do Estado e dada a sua formatação jurídica, enquanto fundo autónomo, não pode ser um simples fundo de maneio do Governo.
De acordo com os dados do Orçamento de Estado para 2011 (página 303), o FEFSS possui hoje uma dotação de 9.500 milhões de euros, cerca de 5,5% do PIB. Porém, a sua utilização efectiva apenas estaria prevista para o longínquo ano de 2035, quando a sua dotação tivesse crescido para perto de 30.000 milhões de euros (representando este valor uma valorização anual de cerca de 5%, capitalizada a 25 anos) e, como foi referido atrás, quando as pensões tivessem ultrapassado as contribuições e cotizações para a Segurança Social. Assim, a sua utilização precoce, na prática para outros fins que não aqueles para o qual foi concebido, surge a destempo. Mas, enfim, perguntar-se-á: não pode o FEFSS investir em dívida pública? Resposta: pode. Aliás, no final de 2010, cerca de 55% do seu valor já estava investido em dívida pública. O problema é que com o agravar da notação de risco dos títulos emitidos pelo Estado português, o investimento nestes títulos deixa, em teoria, de obedecer à suposta gestão sã e prudente segundo a qual o FEFSS deveria ser gerido. O perfil de risco do fundo agrava-se, a sua volatilidade também, sendo que não é certo que, com nova descida de "rating", o fundo não seja obrigado, estatutariamente, a desfazer-se das suas posições, agora, altamente especulativas. Pelo contrário, com novas descidas de "rating", é certo e seguro que o fundo encaixará perdas valentes, em especial se, como parece cada vez mais provável, a República tiver de renegociar parte da sua dívida. Nesse cenário, serão os portugueses a levar a tal rapadela (haircut) para a qual, neste fundo, não deveriam estar sujeitos...
Entretanto, se no final do ano mais de metade do património do FEFSS estava já em obrigações do Tesouro e afins isso significa que a sua margem de intervenção no financiamento directo da República será na melhor das hipóteses de 4.000 milhões de euros. Ora, só hoje, o FEFSS arrisca-se a arrematar 1.000 milhões de uma coisa que já poucos querem. Ficam a sobrar 3.000 milhões de euros, para as próximas emissões de dívida, o que dará para mais um mês de novas emissões ou amortizações de dívida, mas que, no limite, significaria colocar o fundo 100% investido em activos especulativos. A aposta pode sair muito bem, mas, à cautela, é melhor rezar muitos Pais Nossos e Avés Marias. Ou, o mais provável, pode correr muito mal, sendo que, se isso suceder, o fundo levará uma pancada irremediável e à margem das regras com que, supostamente, deve ser gerido. Em suma, prejudicando todos os portugueses que para ele contribuíram no pressuposto de que seria gerido de forma conservadora e com um objectivo muito bem definido: proteger os cidadãos na velhice.
Infelizmente, no caminho que agora se inaugura corre-se um sério risco de transformar o FEFSS numa espécie de 401k da Enron...Não está certo, nem é aceitável. Pelo contrário, é próprio de quem perdeu a cabeça.
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