19 março 2011

servir a mulher

Uma dos resultados mais importantes da investigação teológica do último século foi a descoberta da natureza mariana da Igreja. A Igreja nasceu do culto de Maria e é ela própria uma figura de mulher. Este é o tema de um dos livros do Papa Bento XVI escrito em colaboração com o teólogo suíço Hans Urs von Balthasar e traduzido para português sob o título "Maria: Primeira Igreja" (Coimbra: Gráfica de Coimbra).
Num livro de 2005 ("Deus e o Mundo", Coimbra: Edições Tenacitas), o jornalista Peter Seewald observa ao Papa:

-Se bem compreendi, o centro da Igreja não é o Vaticano nem o papa, mas uma figura de mulher. A redescoberta de Maria como 'arquétipo da Igreja' é um dos avanços mais significativos da teologia do século XX...
O Papa responde:
-A identificação da Igreja com uma mulher remonta aos tempos mais remotos do Antigo Testamento, quando Israel se considera uma noiva que deseja confiar-se a Deus e que Deus, por sua vez, quer desposar num amor eterno. Esta perspectiva foi retomada pela Igreja, continuadora da Antiga Aliança ... em Maria concretiza-se o que é a Igreja. E o significado teológico de Maria representa-se na Igreja. Formam as duas como que um sistema de vasos comunicantes: Maria é a Igreja em pessoa; e a Igreja é, na sua totalidade, aquilo que Maria, na sua pessoa, antecipou (op. cit., pp. 299-300).
A visão da Igreja como uma figura de mulher permite lançar luz sobre uma imensidão de questões teológicas e sociais cujas respostas pareciam sem articulação racional. Uma das mais óbvias refere-se à exclusão das mulheres do sacerdócio. Só homens podem fecundar mulheres e, para que a Igreja, que é uma figura de mulher, seja fecunda, ela precisa de ser servida por homens. (Uma Igreja servida por mulheres acabaria num estado semelhante àquele em que se encontra a sociedade portuguesa actual: dividida e parcializada, com todas a ralhar e ninguém com razão, incapaz de chegar a consensos e menos ainda de tomar decisões, arruinada financeiramente, e sem qualquer sentido de justiça - numa palavra, no caos).
A Igreja (do grego ekklesia, comunidade) é uma comunidade e esta comunidade possui valores que são essencialmente femininos, é uma comunidade construída à semelhança de uma mulher. O seu equilíbrio e a sua fecundidade são-lhe dados pelo clero que é constituído por homens e - detalhe muito importante - por homens que possuem valores essencialmente masculinos. A Igreja - a comunidade - é a mulher nesta relação, ao passo que o clero - a elite - é o homem, que a governa e que dá a cara por ela. A Igreja Católica é uma figura de mulher feita de figuras masculinas.
Esta representação da Igreja - uma figura de mulher feita de imagens masculinas - ajuda a explicar porque é que na cultura católica nada é o que parece - parece uma cultura masculina, mas isso é só aparência, porque na realidade é uma cultura profundamente feminina. Parece que é o homem a mandar quando na realidade a principal função do homem é a de servir a mulher, e é nisto, essencialmente nisto - servir a mulher - aquilo em que se concretiza a sua virilidade.
A Revolução do 25 de Abril em Portugal aquilo que fez foi - numa comunidade profundamente católica e, portanto, feminina, como é a sociedade portuguesa - afastar a elite governativa formada por homens, e pôr a comunidade a governar-se a si própria. Os governantes, enquanto servidores da comunidade, continuaram na sua maioria a ser homens, mas deixaram de ser homens de elite. Escolhidos pelo povo, eles passaram a ser essencialmente homens do povo, com mais ou menos gravata, mais ou menos diploma universitário, e transportaram para a governação os valores predominantemente femininos que são característicos do povo a que eles pertencem. A relação entre governantes e governados, que antes era uma relação de homem para mulher, passou a ser uma relação de mulher para mulher, uma relação lésbica, como já lhe chamei anteriormente.
As relações lésbicas duram pouco e acabam no estado em que se encontra a sociedade portuguesa actual, e que caracterizei acima.

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