21 fevereiro 2011

educa Deolindas

Tenho uma filha de 20 anos que estuda em Londres, desde os 18. Logo no primeiro ano, ao regressar a casa para as férias do Natal, disse-me que, quando voltasse a Londres em Janeiro, iria arranjar um emprego a part-time. Perguntei-lhe porquê.
Ela explicou-me que as colegas inglesas da Universidade a criticavam constantemente por ela viver à custa dos pais, ao passo que elas, com a mesma idade, já tinham saído de casa e eram independentes, custeavam os seus próprios estudos trabalhando em part-time (em restaurantes, caixas de supermercados, armazens, etc.) ou através de empréstimos bancários que pagariam quando terminassem os estudos. A ajuda financeira dos pais, quando existia, era marginal.
Disse à minha filha que conhecia muito bem essa cultura, que, como ela sabia, eu tinha vivido no Canadá, e lá também era assim. Os estudantes saíam de casa cedo, aos 18 anos, no momento em que entravam para a universidade. Normalmente iam estudar para uma universidade localizada em cidade diferente daquela em que vivia a família, e isso era encorajado pela própria família, de modo a torná-los independentes. Trabalhavam em part-time e nas férias, às vezes em bombas de gasolina ou servindo às mesas de restaurantes, e contraíam empréstimos para estudarem. Desde muito cedo, a vida era uma coisa séria para os jovens nesses países. Era uma cultura que encorajava as pessoas a viverem pelos seus próprios meios desde muito jovens, a tornarem-se autónomas. E era uma cultura responsável, porque libertava os pais do fardo de sustentarem os filhos numa idade em que eles ainda podiam gozar alguma coisa da vida.
A nossa cultura era diferente. Os pais sustentavam os filhos até tarde, às vezes a vida inteira. Era uma cultura de meninos-mimados que fomentava a irresponsabilidade e a dependência, e constituía um abuso sobre os pais - e esta devia ser a principal lição que ela devia extraír da questão. Ela que explicasse às colegas que se tratava de uma diferença cultural - embora as probabilidades de entendimento não me parecessem grandes -, mas a minha opinião era a de que ela devia continuar somente a estudar, e abandonar a ideia do emprego a part-time. Cá em casa, a política era de que os pais sustentavam os filhos até eles acabarem o curso. Nem mais um ano. Depois esperavam - mas esperavam seriamente - que eles voassem pelas suas próprias asas. Tinha sido assim com os três irmãos mais velhos, e todos tinham voado, seria assim com ela, que é a mais nova.
Ela propôs-me, então, um compromisso. A Universidade aceitava que, ao 3º ano, os estudantes fizessem, opcionalmente, o chamado "extra-mural year", um ano que contava curricularmente e em que os estudantes trabalhavam com remuneração numa instituição protocolada pela Universidade - um estágio profissional integrado no plano de estudos. O curso passaria a demorar quatro anos, em lugar de três. Aceitei o compromisso e é esse ano que ela está agora a fazer, trabalhando num instituto de investigação farmacológica e recebendo uma remuneração.
O ponto importante desta questão é que não é possível a Portugal competir economicamente com outros países, ou sequer ambicionar uma sociedade liberal - cuja primeira característica é o sentimento de independência dos seus cidadãos - quando, apesar de 25 anos de abertura à Europa, em lugar de educar pessoas independentes, educa Deolindas. E isto é um fenómeno novo, que não vem do tempo do Salazar - que tem as costas largas -, porque no tempo do Salazar todos os rapazes de 2o anos saíam obrigatoriamente de casa dos pais. Iam para a tropa.

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