"O imposto é o alicerce que (...) reforça a relação de confiança que se estabelece entre o Estado, as famílias e as empresas.", João Pedro Martins no seu livro "Revelações", publicado pela editora Smartbook.
A citação anterior encontra-se naquele livro, que, atraído pelo sugestivo subtítulo "Os paraísos fiscais, a injustiça dos sistemas de tributação e o mundo dos pobres", passei o serão a ler. Trata-se de uma leitura muito interessante, bem documentada, acessível num tema complexo, e que, deduzido do romantismo/idealismo no qual o autor se perde, merece atenção pela forma como expõe a) os problemas de corrupção do Terceiro Mundo e b) a sofisticação fiscal praticada pelas multinacionais.
No que diz respeito aos problemas de África e da América Latina, o autor cita alguns casos elucidativos. A República Democrática do Congo, que em 2006 "recebeu uns irrisórios 86 mil dólares pelos direitos de exploração mineral". A Guatemala, onde, em 2006, "o custo dos incentivos fiscais a uma única companhia mineira excedeu o total de investimento público realizado em equipamentos de saúde". Ou as Honduras, onde, em 2007, a indústria extractiva "gera 198 milhões de dólares e o total cobrado em royalties, licenças e taxas não ultrapassa 283 mil dólares". Enfim, a série de exemplos termina com uma conclusão de Michael Spence, Nobel da Economia, que destaca "a corrupção ministerial e a informação assimétrica - as empresas sabem melhor do que os governos qual o valor real dos direitos de exploração. As consequências são grotescas" (páginas 82 e 83). Mais à frente no livro (página 137), o economista Paul Collier remata "Os bancos internacionais continuam a ser a sede do dinheiro corrupto africano que é escondido sob um véu de sigilo: se o dinheiro estiver ligado ao terrorismo, os bancos são legalmente obrigados a informar; mas se for apenas dinheiro saqueado aos países mais pobres do mundo, então os bancos podem permanecer em silêncio". Enfim, na minha opinião, contrária à do autor, é um problema irresolúvel, na medida em que quer os que corrompem (as multinacionais) quer os que se deixam corromper (governantes cleptocratas) estão a coberto de quaisquer penalizações que os inibam de manter aqueles comportamentos.
Porém, mais interessante ainda, é a utilização das "offshores" pelas multinacionais. De acordo com o autor, "60% do comércio internacional é realizado através de transacções internas entre as empresas-mãe e as subsidiárias" (página 67). Ou seja, é na chamada manipulação dos preços de transferência que, segundo o autor, se registam as maiores arbitragens fiscais, em benefício dos lucros das multinacionais, especialmente dotadas para esquemas de optimização ou planeamento fiscal. O exemplo descrito acerca das empresas vendedoras de bananas e, nomeadamente, dos artifícios fiscais utilizados pelas principais multinacionais norte-americanas do sector (Dole, Chiquita e Fresh del Monte) é paradigmático. Na sequência de uma investigação do jornal "The Guardian", descobriu-se que, aquelas companhias, exportando as bananas do América Latina a 13 cêntimos por quilo e vendendo-as ao consumidor final por 1 euro, através de variadíssimas relações, dentro do próprio grupo empresarial, com sociedades suas sedeadas em "offshores", somente registavam nos EUA um lucro tributável de 1... cêntimo! Ora, como é que isto era conseguido? Carregando nos preços cobrados pelas subsidiárias, registadas nos paraísos fiscais e, por isso, isentas de impostos, a fim de desnatar os lucros tributáveis no destino final.
Enfim, ao contrário do que escreve o autor, eu não acredito que seja possível acabar com as "offshores". Pura e simplesmente, isso não se decreta. A concorrência fiscal é como a concorrência em qualquer outro domínio: é espontânea. Além disso, essa conversa de se generalizar os efeitos perversos associados aos "offshores" também está errada. Veja-se o exemplo do Luxemburgo, da Irlanda e da Holanda para ver como certo tipo de concorrência fiscal pode melhorar - e muito - o ambiente competitivo de uma ou de outra economia. Contudo, e é aqui que estou de acordo com o autor, deveria existir uma maior concertação mundial, a fim de distinguir entre os "offshores" de primeira e os de segunda categoria. Entre aqueles que são sérios e aqueles que são um embuste. Desse modo, apertar-se-ia o cerco aos que apenas usam esses regimes fiscais para lavar dinheiro de actividades ilícitas e intensificar-se-ia o escrutínio sobre práticas contabilísticas pouco éticas. Em suma, mais regulação sim, mais regulamentação não.
Sem comentários:
Enviar um comentário