26 janeiro 2011

disruptivo

A decisão judicial que o Joaquim aqui cita é, de facto, muito significativa e poderá ter ramificações consideráveis se adoptada, também, pelos tribunais portugueses. A lógica do Tribunal de Navarra é simples: a actividade bancária não pode estar imune ao risco, pelo que, na hora de tomar o empréstimo, quer o seu tomador quer o banco que empresta, todos têm de fazer contas e, cada qual, realizar a sua própria análise de risco. O devedor, avaliando se tem condições para pagar a prestação. E o banco, avaliando se o devedor é fiável e se o imóvel a financiar vale o que o cliente se prepara para pagar por ele. Assim, se, por acaso, o tomador do empréstimo deixar de honrar os seus compromissos, o banco fica com a casa. E se esta, porventura, for leiloada por valor inferior ao do empréstimo em falta, paciência, o banco que amortize a respectiva perda. É assim que funciona nos Estados Unidos, mas não é assim que tem funcionado na Europa (Portugal e Espanha incluídos), onde, uma vez leiloada a casa, se ainda restar alguma dívida perante o banco, é ao devedor que essa falta é imputada.
Posto isto, devo dizer o seguinte: acho incompreensível a prática europeia, onde, por via da ausência de risco, o banco tem sempre lucro. Não é aceitável que o ónus do incumprimento recaia apenas sobre o devedor se, também, o banco foi co-responsável por esse mesmo incumprimento ao não ter feito a análise de risco na altura própria. Além disso, a prática europeia tem outra grande desvantagem: reduz a dinâmica do mercado imobiliário e põe em causa a mobilidade e, a prazo, a saúde financeira das famílias. Tal sucede pela simples razão de que, na impossibilidade de vender um imóvel abaixo do seu preço de custo, pois ficaria sem casa mas ainda com uma parte da dívida, o devedor pode ficar amarrado a um activo que, porventura, já não consegue custear. E dessa situação decorrem dois custos: um custo de oportunidade e, no limite, o custo associado à insolvência pessoal. Pelo contrário, os bancos, à fartazana, ganham de todos os lados. Last but not least, perde também o Estado, pois, em consequência dessa rigidez estrutural, diminui o número de transacções e com estas a própria receita fiscal...
Em suma, a adopção do ordenamento jurídico norte-americano no que à execução de hipotecas diz respeito traria enormes vantagens à Europa. É certo que, inicialmente, os preços do imobiliário desvalorizariam - com alguma intensidade, até - para os preços ajustados aos salários dos portugueses (que, nas minhas contas, não suportam os preços actuais), mas com essa flexibilização induzir-se-ia um número infindável de externalidades positivas. Muitas vidas e muitas famílias, até aqui amarradas na armadilha do crédito, respirariam de alívio e com isso o País viveria melhor. Todos, excepto, talvez, os bancos, habituados que estão à mama do negócio fácil. Enfim, a ver vamos se o lóbi bancário leva a melhor ou não. Oxalá não leve.

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