23 novembro 2010

problemas estruturais

Também ontem, o Banco de Portugal publicou o seu Boletim Estatístico referente ao mês de Novembro, no qual são visíveis algumas das principais lacunas da economia portuguesa.
A primeira evidência diz respeito à evolução dos preços. Assim, nos últimos doze meses, a taxa de inflação em Portugal, avaliada através do IPC, foi de 0,9% face ao período homólogo. Ora, esta taxa está bem abaixo da média para a zona euro (1,4%) e para a União Europeia (1,9%). Na realidade, apenas a Holanda (não sei porquê) e a Irlanda (fruto da austeridade induzida pela redução da despesa) registam leituras inferiores à nossa. É sinal de que a economia portuguesa não tem capacidade para aumentar os preços, o que, por sua vez, quer dizer uma de três: ou há uma retracção da Procura ou há Oferta em excesso ou há um pouco das duas. Ao mesmo tempo, sucede, no nosso país, outro fenómeno interessante, mas não menos inquietante: a assimetria de inflação entre distintos sectores da economia. Debrucemo-nos, pois, sobre este último ponto.
Recentemente, as intervenções do economista, e Conselheiro de Estado, Vítor Bento, cuja opinião muito estimo, têm incidido em especial sobre os preços praticados no sector dos bens não transaccionáveis (uma expressão horrorosa que, basicamente, se refere aos sectores protegidos da concorrência externa) em comparação com os preços praticados no sector dos bens transaccionáveis (aqueles sujeitos à concorrência internacional). A conclusão de Vítor Bento é essencialmente uma: em Portugal, os preços regulados (não transaccionáveis) estão acima do nível desejado. Ao invés, os preços dos transaccionáveis estão mais próximos do equilíbrio associado à posição competitiva do país. Pois bem, no dito relatório do Banco de Portugal observa-se o seguinte: os sectores onde os preços mais aumentaram nos últimos doze meses são precisamente aqueles onde os preços são sobretudo regulados (Água, Luz, Transportes, Tabaco via impostos, com aumentos de quase 4%) ou que, sendo transaccionáveis, nós pouco exportamos (os produtos energéticos, com um aumento de quase 9%). Já no que diz respeito aos produtos onde nós tradicionalmente nos posicionamos em matéria de exportações, os têxteis e o calçado, não há inflação, pelo contrário, há deflação (redução dos preços).
A segunda evidência estrutural, que os dados do Banco de Portugal permitem extrapolar, refere-se à nossa Balança Corrente. Neste capítulo, a economia nacional é muito débil, em especial no domínio do saldo comercial, sobretudo de bens (é certo que uma parte considerável é petróleo e afins), ou seja, no saldo negativo entre importações e exportações (problema grave do qual a Irlanda, por exemplo, não padece). E, infelizmente, além dos bens, também somos bastante deficitários nos Rendimentos, isto é, dependemos excessivamente do estrangeiro para nos financiarmos. Enfim, a coisa só não é pior porque, a título de Transferências Correntes, continuamos a receber uma generosa ajuda do exterior (UE), mas que representa uma rubrica em declínio, sendo até de esperar que dentro de alguns (poucos) anos se transforme numa responsabilidade líquida da Nação. A única rubrica da nossa Balança Corrente onde, de facto, somos competitivos é nos serviços. Mas tudo somado, no final deste ano o nosso défice de transacções correntes, na melhor das hipóteses, rondará os 7 a 8% do PIB.
Onde é que eu quero chegar? É simples. Se não eliminarmos as situações de (quase) monopólio que empresas públicas, ou privadas com participação pública (por exemplo, a EDP), possuem, sujeitando-as à concorrência externa, e não eliminarmos também o nosso défice comercial, em particular no segmento dos bens, não teremos chance. Por outras palavras, precisamos de 1) redireccionar a concorrência externa para sectores que até aqui têm estado numa boa (*) e 2) proteger os sectores que têm estado sobre maior pressão (como a nossa indústria, a tradicional ou outras onde se possa substituir importações por produção interna) dessa mesma concorrência externa. Agora, como é que isto se faz no enquadramento da zona euro? Não sei! Mas é sobre isto que temos de pensar e actuar.
(*) A propósito, na minha zona de trabalho, tendo a EDP deixado de possuir o monopólio, já há outras empresas, nomeadamente as espanholas, a propor tarifários de electricidade incomparavelmente mais baixos...

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