Encontra-se aqui a razão por que os portugueses são péssimos juristas. Não existe tradição na cultura portuguesa de ser o povo a interpretar as Leis (Escrituras), isso foi tarefa sempre reservada a uma pequeníssima elite de professores (padres) - a alta hierarquia da Igreja Católica.
O povo português não está habituado a interpretar leis, menos ainda a fazê-las. Ele não está sequer habituado a ler as leis. Aquilo que ele está habituado é a acatar as leis que lhe são transmitidas oralmente por alguma pessoa a quem ele reconhece autoridade (tradicionalmente, os padres e, em última instância, o Papa). Ora, quando o Estado Democrático e de Direito reconhece ao povo, e aos juristas emanados do povo, a capacidade para fazer leis e as interpretar, aquilo que se vai seguir é o caos generalizado, a discussão, a discórdia, a adversidade e, em útima instância, o ódio. As leis passam a ser instrumentos de perseguição entre facções opostas.
Pergunta-se, mas então, e os povos protestantes sabem interpretar leis e fazê-las? Parece que sim, tanto mais que os nossos juristas, imitadores por excelência como a generalidade dos portugueses, vão buscar a sua Ciência do Direito sobretudo à Alemanha. É necessário que se diga, porém, que os alemães, e os povos de cultura protestante em geral, só se tornaram melhores juristas, depois de terem sofrido na pele um custo incalculável em termos de vidas humanas.
Logo que, no século XVI, se separaram da Igreja Católica e renegaram a autoridade do Papa, reconhecendo autoridade somente à Lei (as Escrituras), os protestantes envolveram-se por toda a parte em guerras fraticidas, contra os católicos e entre si, resultantes das suas diferentes interpretações da Lei (Escrituras), e que atingiram o auge com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Esta Guerra, que teve a Alemanha como centro é, às vezes, considerada a Primeira Guerra Mundial, e produziu milhões de mortos.
Depois destas experiências traumáticas em sociedades profundamente divididas, não era difícil a qualquer pessoa tirar a conclusão de que, para garantir a paz, a condição sine qua non era a de que as leis fossem simples, claras, imparciais e que, em caso de dúvidas de interpretação, essa interpretação fosse remetida para uma instituição que tinha a palavra final e absoluta na matéria. Daí o respeito reverencial que os povos de cultura protestante nutrem pelo Supremo Tribunal de Justiça e, mais geralmente, pela instituição judicial. Aprenderam à sua própria custa.
As sociedades protestantes não formam uma comunidade no sentido em que as sociedades católicas formam. São várias comunidades ocupando o mesmo país, com concepções às vezes absolutamente diferentes e adversariais da vida, que vivem no mesmo país por vezes num equilíbrio extremamente delicado, um equilíbrio que é mantido pela Lei - uma Lei que é simples, clara, imparcial - e por um respeito estrito pela autoridade da instituição judicial. Se a Lei falha em algum destes aspectos, estas sociedades estão prontas a explodir em violência.
Mas será que nós queremos seguir este exemplo, será que queremos andar aí aos tiros uns aos outros até aprendermos a fazer boas leis e a interpretá-as, a produzir bons juristas, e a ganhar respeito pela instituição judicial, que é coisa que neste momento não temos?
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