22 maio 2010

jacobinos

Também publicado aqui.


Michel Vovelle, catedrático de História da Revolução Francesa na Sorbonne e Director do Instituto da História da Revolução Francesa, publicou, em 1999, um livro interessante sobre o seu tema de eleição intitulado «Les jacobins: de Robespierre à Chevènement». Verdadeiramente, o livro não começa em Robespierre e é aí que ganha verdadeiro interesse. Para quem julga que o jacobinismo começa e termina com o Incorruptível e quiser prescindir de obras de maior fôlego, este livro é um auxiliar necessário.

Não sendo uma análise original (Michelet já a fizera antes), a perspectiva de Vovelle sobre o jacobinismo divide-o, pelo menos, em três fases a ter em conta: a) o jacobinismo primitivo; b) o jacobinismo misto; c) o jacobinismo de 1793.

A primeira fase é a da fundação do clube no Convento de São Tiago (Saint-Jacques), na velha Rua de Saint-Honoré, e nele predominava um grupo de raíz parlamentar e de elevada posição social (alguma nobreza, alta burguesia), onde se incluiam Duport, Barnave e Lameth, mas também Condorcet, Cazotte, Aiguillon, e mesmo até Mirebeau e La Fayette. Ao Clube pertenciam já Robespierre e Brissot, os futuros líderes jacobino e girondino, cujo confronto levaria à queda do segundo e à ascensão do primeiro à chefia do Comité de Salvação Pública, embora as suas presenças não fossem ainda dominantes. Esta fase estende-se até ao fim de 90, e é marcada pela defesa da monarquia constitucional, do voto censitário e de um entendimento da Revolução como um processo de reforma do regime e não da sua radical destruição. Nesse sentido, o directório do Clube publicou uma circular em Janeiro de 91, onde se podia ler: «A revolução está terminada, o império das leis está consagrado, somente a sua execução tranquila pode consolidar a Constituição.» Como todos sabemos, não foi isso que veio a suceder.

Em Junho de 91, com a fuga de Luís XVI para Varennes, consagrou-se a cisão entre os dois grupos do Clube, os «moderados» e os «democratas». A 16 de Julho, Antoine Barnave constituiu uma nova Sociedade dos Amigos da Constituição, para a qual levou a maior parte dos jacobinos institucionais, nomeadamente os deputados da Assembleia Nacional. Esse novo Clube ficou conhecido pelos «feuillants», devido também ao local onde decorriam as reuniões, o Convento dos Feuillants de Paris, na mesma Rua de Saint-Honoré onde reuniam os Jacobinos, agora com a presença ascendente de radicais como Robespierre, Pétion, Brissot e Buzot. Deste grupo, que não era homogéneo, que aceitava discutir a eventual substituição do Rei, mas não era uniforme na defesa da República nem o fim da Monarquia, surgiriam os Girondinos e os Jacobinos da terceira vaga, isto é, do Ano II.

Durante a segunda fase do jacobinismo, que vai da cisão de Julho de 91 a Agosto de 92, sobreleva a separação progressiva entre o Clube e o Parlamento, arrastando o primeiro para uma sociedade popular, assente no predomínio «sans-culotte». A segunda cisão que o Clube haveria de conhecer, que provoca a exclusão da Gironda, segue esse meridiano: os girondinos defendem a ordem parlamentar estabelecida, os jacobinos stricto sensu advogam a revolução popular e radical. Se em 29 de Julho de 92 Robespierre acentuava as diferenças pedindo, em discurso no Clube, a destituição do Rei e a eleição de uma Convenção por sufrágio universal e não já pelo tradicional sufrágio censitário, o golpe revolucionário de 10 de Agosto seguinte, levando à queda de Luís XVI, consumou a inevitável separação. A partir desse momento, a cena pertence, por inteiro, a Maximilien Robespierre.

A consumá-la o Clube mudaria de nome para Sociedade dos Jacobinos Amigos da Liberdade e da Igualdade. A Constituição era posta à margem, o que, de resto, o Clube se encarregaria de fazer com a sua substituição por um documento revolucionário, em 93, que nunca chegaria a vigorar na ordem jurídica. Os jacobinos abandonam definitivamente a legalidade, ainda que revolucionária, e entregam-se decididamente ao poder popular. O domínio pertence agora a Couthon, Saint-Just, Dumas, Billaud-Varennes, Collot d’Herbois, mas, sobretudo, a Robespierre, que tem no Clube o seu refúgio, ao qual recorre quando se sente inseguro na Convenção ou mesmo no Comité.

Foi exactamente o que ele fez na noite de 8 Thermidor, no último discurso público que proferiu perante uma assembleia. Consciente do perigo em que se encontrava, embora ainda embevecido com a sua oratória que julgava capaz de inverter todas as dificuldades, dirigiu-se aos jacobinos, dramatizando os reveses da manhã na Convenção, e dizendo-lhes no fim de um longo discurso: «Eis meu testamento. Meus inimigos, ou antes, os da República, são tão numerosos e tão poderosos que não poderei escapar por muito tempo aos seus golpes.» Estava, involuntariamente, certo: no dia seguinte a Convenção já o não quis esctutar. O derradeiro golpe viria dois dias depois, executado pela experiente mão de Samson.

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