01 março 2010

bolachadas

Num post anterior sugeri que o paradigma que está subjacente ao pensamento social católico é a família, em que a Igreja desempenha a função de Mãe. Noutro, comentando um artigo do Vasco Pulido Valente, mostrei-me céptico que os actuais excessos da sociedade portuguesa - em particular, o da falta de autoridade a que ele se referia, ou excesso de liberdade - pudesse ser resolvido de forma pacífica. Gostaria agora de elaborar sobre este tema.

Como é que uma mãe de família lida com um filho desobediente? Em princípio, ralhando com ele, chamando-o à razão, castigando-o, impedindo-o até fisicamente de fazer certas coisas que ela não lhe autoriza fazer. Até chegar o dia em que ela proíbe o filho de sair à noite, e ele entretanto já se tornou um adolescente encorpado. Ele avança para a porta, ela vai atrás dele para o impedir, ele agarra-lhe no braço e afasta-a. E sai porta fora. É nesse dia que ela sente que precisa da ajuda do pai: "Vais ter de pôr o teu filho na ordem!". Neste momento, a coisa passa a ser entre homens.

No dia seguinte, o que é que faz o pai? Para começar, utiliza as palavras: "Hoje não sais de casa à noite". E ele próprio fica ali depois do jantar, sentado no sofá, aparentemente distraido a ler o jornal e a ver televisão, com um olho no burro e outro no cigano. E se o filho fizer como na véspera e sair porta fora? Aí está tudo estragado. O pai levanta-se, vai escada abaixo atrás dele, prega-lhe duas bolachadas, e trá-lo de volta para cima, nem que seja de rastos. A violência física é o último recurso da autoridade.

E como faz a Igreja Católica quando os filhos transviados ameaçam pôr em risco a estabilidade da família social? Faz como a mãe de família, procura chamá-los à razão, ralha com eles, indica-lhe o bom caminho. Porém, quando estas soluções tiverem falhado, e ela não tiver mais mão neles, faz como a mãe de família, chama o Pai, rezando a Deus. O assunto passa a ser agora um negócio entre homens. Porém, sendo Deus Espírito, e precisando a sociedade de homens concretos que restaurem a ordem, de onde e como é que esses homens vão aparecer, se é que vão aparecer de todo?

Eu não estou certo de saber responder racionalmente a esta questão. Aparecem por inspiração de Deus e inspirados por Deus. Já lhe chamei um milagre e já me dei como exemplo. Mas que eles vão aparecer, isso parece-me seguro, porque apareceram sempre no passado. Serão homens com alguma maturidade, o que no caso significa uma certa idade, a maior parte verdadeiros pais de família. E o que vão eles fazer? A mesma coisa que fazem os pais de família, quando as mães já não têm mão nos filhos. Primeiro, falam com eles. Se o diálogo não resultar, utilizam a violência (Cat. 2242, citado aqui). Tudo acontece como na família.

A violência católica, porém, é sempre uma violência muito soft (o 25 de Abril em Portugal foi o exemplo acabado disso) porque é uma violência em família e na presença moderadora da Mãe. Tal como a mãe de família não permite que o pai exagere nas bolachadas que dá ao filho desobediente, assim também a Igreja não consente uma violência desproporcional ao mal que ela visa resolver - a destruição da sociedade.
Muito pior é o que acontece nos países onde a Igreja Católica não é uma instituição presente, ou a sua influência é escassa. Sem a presença moderadora da Mãe, a família divide-se em facções ou partidos (algo que uma mãe nunca consentiria), e a violência só pára quando uma facção aniquilar a outra, normalmente a mais fraca. A família fica destruída. Foi isso que sucedeu à Alemanha e à União Soviética. Em Portugal, mais uma vez, é de prever que as coisas se vão resolver com umas quantas bolachadas.

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