Uma discussão racional entre o catolicismo, por um lado, e os diversos ismos modernos - como o socialismo, o liberalismo, o anarquismo, o conservadorismo, etc. - deveria começar por perguntar, em termos laicos, qual o fim ou objectivo que o catolicismo se propõe atingir. Porque é em torno desse fim que será então possível, ou não, medir a coerência do catolicismo, e compará-lo com os ismos concorrentes. Esta comparação far-se-à em termos dos fins que cada uma destas doutrinas se propõe atingir, e das suas respectivas coerências internas para atingir cada um desses diferentes fins.
Nós sabemos qual o fim que é visado pelo socialismo - a maximização da igualdade material entre os cidadãos. É à luz deste objectivo que as diferentes medidas que são advogadas pelos socialistas - como a tributação progressiva, a democracia, a estatização de alguns meios de produção, a segurança social, a gratuitidade do ensino e da educação, etc. - fazem todo o sentido racional.
O anarquismo visa maximizar a esfera de liberdade individual do homem. Daqui decorre toda a sua oposição a qualquer instituição possuindo um poder coercivo, como o Estado.
O liberalismo propõe-se maximizar o bem-estar ou felicidade individual, tal como definida pelo próprio indivíduo. Daí o seu ênfase na propriedade privada, na livre iniciativa, no mercado e na democracia.
O conservadorismo tem por objectivo maximizar a probabilidade de um homem viver o presente e o futuro tanto quanto possível, de acordo com as instituições e as tradições do passado. Daí o seu apreço pela religião, a sua tendência para a hierarquização social, a sua aversão ao construtivismo social, etc.
Mas o catolicismo, o que é que o catolicismo visa maximizar? Esta é um pergunta que, formulada nos termos mais laicos possíveis, que são os termos de um economista, nunca foi posta, ao menos no meu conhecimento. Precisamente por isso, eu não estou seguro de possuir a resposta certa, mas tenho uma intuição e alguma evidência para fornecer.
E a resposta que tenho para oferecer é a seguinte. O catolicismo visa maximizar a vida humana, no seu triplo aspecto de quantidade (o maior número possível de pessoas ao cimo da Terra), duração (a máxima esperança de vida) e qualidade (a melhor vida possível, ou felicidade). Consultando o Catecismo da Igreja Católica, a vida humana parece ser, de facto, o valor supremo que o catolicismo visa atingir.
Na realidade, "A vida do homem" é a primeira expressão escrita no Catecismo, logo no primeiro parágrafo, e que depois é abundantemente referida ao longo de todo o texto:
"1. A vida do homem - conhecer e amar a Deus
Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em Si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-Lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade da sua família que é a Igreja, mediante seu Filho, que Ele enviou como redentor e salvador na plenitude dos tempos. N'Ele e por Ele, chama os homens a tornarem-se, no Espírito Santo, seus filhos de adopção e, portanto, herdeiros da sua vida bem aventurada. (...)" (Cat: 1)
Sendo assim - se o objectivo do catolicismo é, na realidade, o de maximizar a vida humana - então, dois pontos importantes são devidos. O primeiro diz respeito a certos princípios da Igreja, que parecem hoje em dia puramente anacrónicos, mas que à luz deste objectivo são perfeitamente coerentes e racionais. Se a finalidade que o catolicismo visa atingir é a maximização da vida humana, então a Igreja tem de ser radicalmente contra o controlo dos nascimentos e contra certas instituições da modernidade, como o casamento entre homossexuais (porque daqui não sai vida nenhuma). A esta luz, a Igreja não pode ser também a favor da eutanásia ou da eugenia.
O segundo ponto é mais amplo, e visa comparar os fins que os diferentes ismos se propõem atingir. O socialismo tem em vista a igualdade (um valor também defendido pelo catolicismo), o anarquismo põe acima de tudo a liberdade (um valor que o catolicismo também defende), o liberalismo a felicidade individual (outro valor defendido pelo catolicismo) e o conservadorismo coloca a tradição acima de todos os outros valores (o catolicismo também defende a tradição). Nenhum destes ismos visa maximizar a vida humana, que é o valor supremo que inclui todos os outros e sem o qual nenhum dos outros faz sentido.
Na realidade, a maximização da vida humana é o fim distintivo do catolicismo. E por aqui pode começar a entender-se a minha afirmação anterior de que qualquer dos outros ismos representa uma exageração de algum valor defendido pelo catolicismo e, portanto, cada um deles não é mais que uma heresia particularista. O catolicismo contém-nos a todos, mas num delicado equilíbrio que não faz de nenhum deles um fim em si mesmo superior ao valor da vida.
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