22 fevereiro 2010

uma teoria da conspiração

Marcelo Rebelo de Sousa nasceu e sempre viveu na política. No meio familiar, entre os amigos, até no nome que lhe foi dado em baptismo e que adivinhava vôos altos e um futuro promissor e sem limites. Quando a idade adulta chegou, Marcelo fez da sua natural vocação política de tudo um pouco: foi militante e dirigente partidário, foi jornalista e director do mais influente jornal português, fez-se deputado e governante, escreveu opinião e passou-a para a televisão no programa político de maior audiência do país. De há dez anos para cá, Marcelo conformou a opinião política corrente dos portugueses como ninguém o fez na III República. O seu afastamento televisivo, por duas vezes consumado, provocou distúrbios nacionais. Da primeira vez que o tiraram do ar caiu o Carmo e a Trindade e o Presidente da República teve de intervir. Da segunda vez, desconhecendo-se, por enquanto, o seu destino, as instituições ainda não se moveram, embora ninguém acredite que a calmaria que se instalou sobre o assunto não seja senão prenúncio de tempestade...

Aos sessenta e um anos de idade falta a Marcelo Rebelo de Sousa cumprir o destino que muitos lhe antevêem fatal: desempenhar um dos dois cargos cimeiros da República, ou presidir ao Conselho de Ministros, como o padrinho que lhe deu o nome, ou chefiar a República a partir do Palácio de Belém.

Com a idade que já tem e o que se adivinha que venha a ser o futuro da mais alta magistratura da nação, Marcelo não manterá muitas esperanças em vir a alcançá-la. Cavaco repetirá certamente o mandato, atirando para 2015 a possibilidade de Marcelo o alcançar. Mas, nessa altura, a sombra de Durão Barroso, mais novo do que ele, mas tão ou mais ambicioso, usará o prestígio conquistado em oito anos de Bruxelas e a máquina que deixou ainda no PSD para lhe preparar o terreno. Resta-lhe a Presidência do Conselho de Ministros, retomando a tradição familiar legada pelo seu padrinho Marcelo José das Neves Alves Caetano.

Marcelo, o afilhado, não o padrinho, apresentou há meses a sua disponibilidade para disputar a liderança do PSD. Ele sabia, quando se ofereceu, que o caminho não seria terraplanado e que por montes e cumes elevados a liderança custaria a conquistar. Do outro lado da barricada, Pedro Passos Coelho preparava o mesmo percurso e Marcelo sabia que do jovem Passos e dos seus não podia esperar facilidades nem entusiasmos. Mas Marcelo Rebelo de Sousa sabe também que esta é provavelmente a única possibilidade que a vida lhe dará para conquistar a chefia do governo do seu país, ainda por cima, graças ao desgaste de quem governa, ao seu alcance num prazo relativamente curto. Todavia, em vez de uma vaga de fundo que o “obrigaria” a avançar, o estado cataléptico do partido não permitiu grandes reacções. Marcelo precisava de mais. De um impulso esmagador, que unisse os desalinhados e surpreendesse os que estão com Pedro Passos Coelho.

A estratégia e a táctica política ensinam que a figura da “lebre” pode ser um mecanismo propulsor poderoso para qualquer ambição sofrivelmente velada. A “lebre”, em política, é um animal que se solta para disfarçar as verdadeiras intenções. Que saltita um pouco por todo lado, para dar nas vistas no acessório e esconder o essencial. Que vai abrindo caminho ao caçador que a segue e com quem está plenamente articulada para juntos chegarem ao objectivo comum. A lebre é politicamente tanto mais valiosa consoante a sua qualidade intrínseca, o seu porte atlético, a forma física em que se encontra e o efeito surpresa que provoca. E o resultado final da desistência da corrida de uma ou de duas lebres é tão mais surpreendente quanto ela ou elas nos convencem que estão a correr para chegarem à meta. Até mesmo que se desentenderam para mais tarde se voltarem a entender em torno de um apelo irresistível da pátria e do seu salvador.

Entre os animais nobres da política, a lebre é seguramente o primeiro e o mais cativante.

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