19 fevereiro 2010

proibiu-lhes

Eu poderia ter escrito este post. Trata-se da questão de saber porque é que é possível manter um debate público decente num país como a Inglaterra, e é impossível fazê-lo num país como Portugal (um comentador invoca a minha tese católicos vs. protestantes na caixa de comentários) (*).

Chesterton, cujo livro Por Qué Soy Católico, tenho vindo a citar ultimamente tem algumas observações interessantes acerca do contraste entre a cultura católica e a cultura protestante. Por exemplo, a observação de que aquilo que de melhor existe no protestantismo é aquilo que ele guardou do catolicismo. Uma dessas heranças é a obsessão com a procura da verdade.

Para mencionar um exemplo, e talvez o mais importante, a ciência moderna que é predominantemente um produto da cultura protestante, releva desta preocupação com a verdade - uma preocupação que é central à cultura católica.

Porém, ao mesmo tempo que herdou do catolicismo a preocupação com a verdade, a cultura protestante modificou o carácter da verdade, e esta modificação foi devida sobretudo a Kant - o filósofo do protestantismo. Na cultura protestante, a verdade é objectiva e acessível a todos e decide-se portanto, por consenso, ou na falta dele, por maioria. Pelo contrário, na tradição católica, a verdade é uma convicção íntima, essencialmente subjectiva e, por isso, só pode ser partilhada com os íntimos.

É esta, provavelmente, a razão porque Cristo não respondeu à pergunta de Pilatos "O que é a Verdade?". Ele não esperava que ninguém à volta d'Ele subscrevesse a resposta, nem isso era importante para Ele. Bastava-lhe a convicção íntima de que Ele era a Verdade.

"Um dia quando orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos, perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». Responderam-Lhe: "João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado». Disse-lhes Ele: «E vós quem dizeis que Eu sou?». Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus».
Ele proibiu-lhes formalmente de o dizerem fosse a quem fosse (...)"
(Lc: 18-21).

A Verdade é, assim, uma convicção íntima e que é para ser partilhada somente com os íntimos. A Verdade não é objectiva - isso é uma heresia protestante. Muito menos pública - outra heresia protestante. A Verdade é para ser detida por alguns eleitos que um dia a comunicarão ao povo. Não é para ser descoberta pelo povo em qualquer processo de debate público. O povo nunca lá chegará por si próprio, somente pela pregação daqueles que possuem a Verdade.

Daí que nos países de tradição católica ninguém acredite que do debate público possa sair a Verdade. Daí que ninguém tenha respeito pelo debate público. Esta atitude revela uma certa falta de auto-estima por parte do homem do povo da tradição católica. Mas é assim e não há nada a fazer. É a consequência de o homem ser inferior a Deus. A alternativa protestante em que cada um julga partilhar a Verdade parece-me bem pior. E nem sequer tem raizes nas Escrituras.
(*) Ainda ontem, a propósito de um post que escrevi, apareceu mais um pateta qualquer, desta vez no 31 d'Armada, a tornar todo o debate inviável.

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