19 janeiro 2010

Escudo? Não, obrigado.


Um dos argumentos que os eurocépticos mais têm expressado em face da deterioração económica que se vive no país é a ausência de flexibilidade na nossa política cambial. Por outras palavras, pudéssemos nós desvalorizar o euro - como fazíamos com o escudo - e já teríamos saído do buraco, combatendo através da desvalorização cambial aquilo que não conseguimos combater no domínio da produtividade ou dos custos unitários do trabalho.

Ora, na Europa ocidental, um dos poucos países que ainda tem essa possibilidade - autonomia cambial - é o Reino Unido. E, de facto, uma das saídas utilizadas pelo executivo de Gordon Brown foi incentivar à desvalorização da libra, quer na retórica quer na prática. Porém, o resultado não tem sido famoso. O Reino Unido ainda não saiu de recessão técnica. Quanto às exportações, em teoria agora mais competitivas, diminuíram; aliás, diminuíram a um ritmo superior à diminuição das importações. Ou seja, no balanço, foi pior a emenda que o soneto!

Além da ausência de resultados na balança comercial, o Reino Unido começa agora a evidenciar um outro efeito, desgraçadamente, também negativo: em face da queda abrupta da libra contra o euro - a zona euro é de onde provém a maior fatia das importações britânicas -, nomeadamente em 2008, o Reino Unido está agora a importar inflação! Segundo dados divulgados hoje, a inflação britânica (índice de preços no consumidor) em Dezembro de 2009 foi de 2,9% face ao período homólogo, bem acima da meta de inflação de 2% a partir da qual o Banco de Inglaterra começará a pensar em aumentar a taxa de juro. Enfim, isto acontece numa altura em que as dinâmicas internas da economia - em particular, no mercado laboral onde o desemprego persiste - ainda favorecem a deflação. Agora, imaginem só que acontecerá se o Banco de Inglaterra tiver que aumentar a taxa de juro...

O problema anterior será comum a todas as economias que, mesmo actuando com moeda própria, sejam muito dependentes dos serviços e das importações: o caso do Reino Unido e, também, o caso de Portugal, onde o peso das importações no PIB é de 40% (dez pontos percentuais superior ao do Reino Unido)! Qual é a moral da história? É a de que Portugal, fora do euro, provavelmente, não ganharia tanto quanto os eurocépticos antecipam, em particular neste mundo global. Pelo contrário, o país sofreria ainda mais.

Em suma, o exercício anterior é mais um argumento a favor daqueles que acreditam nas vantagens do euro - o meu caso - desde que os nossos decisores políticos ponham em marcha as medidas de que o país precisa, a fim de o tornar mais atraente e competitivo, medidas essas que, contudo, são profundamente contrárias àquelas que todos os dias se discutem na Assembleia da República! E desenganem-se aqueles que pensam ser este um almoço de borla; não é. Sendo certo que até nos poderão oferecer um café, talvez a sobremesa, nós é que pagaremos a conta. Como diz a última manchete da revista "Economist": "[It's] time to get tough". Aos políticos, mais do que nunca, exige-se verdade, frontalidade e, sobretudo, coragem.

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