(Actualização 13/01/2010: Detectei um erro de interpretação da minha parte na análise dos números, por isso, decidi rectificar a informação contida neste post, nomeadamente no terceiro parágrafo, bem como a intensidade da conclusão final.)
Na discussão que agora se avizinha, acerca do Orçamento de Estado e da necessidade de reduzir a Despesa Pública, existe um documento que, devidamente analisado, permitirá concluir que essa poupança terá de ocorrer na rubrica "Custos com Pessoal". Esse documento foi publicado pelo Banco de Portugal em Julho de 2009 e chama-se "Wages and Incentives in the Portuguese Public Sector", da autoria dos economistas Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira (disponível na base de dados do BdP).
Já aqui mencionei a principal conclusão do estudo: os salários nominais do sector público, em média, são 75% superiores aos do sector privado, sendo que, reza a teoria, os salários são função da produtividade dos funcionários e que esta é melhor aferida no sector privado. Há quem tente descredibilizar a leitura anterior, afirmando que se trata de uma média e que esta não reflecte as verdadeiras desigualdades, em particular, se a comparação tiver em consideração as diferentes qualificações dos trabalhadores num e noutro sector.
Ora, o estudo do BdP tomou por base inquéritos realizados em 2005 pelo Ministério do Trabalho, cuja taxa de cobertura alcançou os 70% do universo global: 524 mil funcionários públicos e 2,2 milhões de funcionários "privados". Neste universo, apurou-se a diferença média entre os salários de uns e de outros, que, como referi antes, é de 75% a favor do sector público. De seguida, os investigadores esmiuçaram os números, em função do diferente grau de qualificação presente nos dois sectores (no público, metade dos funcionários têm formação superior; no privado, apenas 10%). A fim de chegar às desigualdades ajustadas pelo grau de formação, utilizaram um índice ("Raw Gap") que avalia o prémio salarial associado à função pública, face ao praticado no sector privado na mesma profissão ou cargo. Por sua vez, esse índice é composto por duas variáveis: um índice que avalia o prémio justificado (para qualificações diferentes, "Wage Premium") e o prémio injustificado (para qualificações iguais, "Differential in Characteristics"). Concluiram que, em média, o prémio justificado é de 39,4% e o prémio injustificado é de 16,9%, ou seja, no total, o prémio associado aos salários da função pública é de 56,3% face aos salários praticados no sector privado. É, pois, naquela medida de prémio injustificável - em média, 16,9% - que se deve reduzir a rubrica "custos com pessoal" da Despesa Pública. Se o fizéssemos, tudo o resto constante, o défice orçamental baixava de 8% para cerca de 6% do PIB. Um passo importante, rumo à meta de 3%, mas ainda assim insuficiente.
Enfim, o raciocínio é meramente académico porque não existe vontade política para o executar, porém, é mais um lembrete para que não nos esqueçamos onde reside um dos nossos verdadeiros problemas orçamentais: na diferença e desigualdade entre o Portugal real e o Portugal de meia dúzia de privilegiados.
(*) Ps: O António Balbino Caldeira que me perdoe, pela utilização do nome e do logotipo do seu blogue, mas pareceu-me apropriado, tendo em conta a conclusão do post!
Sem comentários:
Enviar um comentário