O contraste entre aquilo que o Governo irlandês, por um lado, e o Governo grego, por outro, se preparam para fazer demonstra bem o impacto que a cultura de um país pode ter na definição das políticas adoptadas. Apesar de os problemas, em ambos os casos, serem semelhantes: défices orçamentais e endividamento público excessivo.
Na Irlanda, o executivo prepara-se para reduzir os salários da função pública em 10%. O próprio primeiro ministro reduzirá o seu vencimento em 20% - a isto se chama liderar através do exemplo. Acrescem a estas reduções salariais outras medidas de contenção do défice, nomeadamente novas taxas sobre os serviços públicos, no que constitui o pacote de medidas mais draconiano de que há memória desde a entrada em vigor do euro. Curiosamente, em Portugal, com excepção de um ou outro jornal, ninguém fala do assunto!
Na Grécia, pelo contrário, a troupe de Papandreou, que se fez eleger pela promessa de salários mais altos, ainda mantém a promessa, sendo que o recente acordo de concertação social grego prevê para 2010 aumentos salariais de 1,5%. Apesar da insustentabilidade do seu défice (13% do PIB), que nos últimos dias, em face da redução do "rating" da dívida pública grega, gerou uma corrida às bolsas. A isto se chama fazer uma fuga para a frente.
Em suma, as duas posturas, antagónicas, apesar da natureza similar de ambos os regimes (democráticos), só podem ter por base um elemento cultural. Na Irlanda, decidiu-se tentar resolver o assunto - "tackling the issue", como se diz. Na Grécia, assobia-se para o lado, na esperança de que o problema desapareça por si só. O exemplo desta atitude irresponsável parte do próprio ministro das finanças grego, que, hoje, à Bloomberg, afirma o seguinte "Actually I sleep quite well. I think that's one of the big advantages I have. I'm fairly level-headed in general and even though I do worry about things they don't keep me up at night". Ou seja, se os governantes não estão preocupados, por que razão há-de estar a população?!
A minha experiência pessoal, em particular o facto de já ter vivido nestes dois tipos de caldos culturais, diz-me o seguinte: na nossa tradição - do sul da Europa - as pessoas no seu círculo de relações familiares são muito mais afectivas e solidárias que na tradição anglosaxónica, porém, o mesmo não se passa quando se extravaza essa esfera pessoal e se entra no domínio da vida em sociedade. Por uma simples razão: ultrapassados os laços de sangue, passamos a não confiar uns nos outros, estando sempre à espera que alguém nos passe a perna!
A situação é evidente na Grécia: o governo está a iludir os seus cidadãos e quando a pressão dos mercados forçar a emenda, vai ser um "salve-se quem puder", sendo que, com um bocado de jeito, o mesmo governo - em clara transgressão do seu (impraticável) programa político - ainda se manterá em funções como se nada tivesse acontecido. Na Irlanda, pelo contrário, a prazo, a frontalidade do governo, e o espírito de missão a que a sociedade civil, colectivamente, se propõe, fará com que todos sofram agora para colherem depois. Enfim, uma cultura de confiança, de deveres e de direitos - algo que nós não entendemos e que, por isso, rejeitamos. Até ao dia em que...
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