10 dezembro 2009

Modelo a seguir


A excepcional entrevista concedida hoje por Henrique Meirelles - Presidente do Banco Central do Brasil - ao DE é reveladora do quanto o mundo ocidental pode aprender com aquela que, algures durante a próxima década, se tornará uma das principais potências económicas mundiais. Pois se há domínio onde o Brasil está avançado é na arquitectura do seu sistema financeiro. Vários motivos contribuem para isso, em particular a forma como, ao longo de décadas, as suas instituições financeiras tiveram de conviver e ajustar-se a taxas de hiperinflação - "o MBA da vida", como comentam localmente os profissionais do sector.

Em Julho passado, no decurso de uma viagem a São Paulo, pude contactar com pessoas ligadas ao sector e, em particular, ao Banco Central brasileiro. Ainda desconhecedor da realidade daquele país, fiquei banzado quando me disseram que, na prática, não havia mercados não cotados ou sistemas de "shadow banking" no Brasil. De facto, todas as operações de balcão, isto é, operações em mercados não cotados (também chamadas de "Over the counter", OTC), que se realizam no Brasil são sujeitas a registo no seu Banco Central, que obriga as partes envolvidas nas transacções a aprovisionar capital que acomode perdas potencialmente esperadas.
Trata-se de um arranjo muito diferente daquele que existe na América, onde as entidades envolvidas em transacções de derivados de crédito podiam emitir, vender e negociar títulos OTC sem nunca alocarem capital para fazer face a situações desfavoráveis. Esta ausência de regulação - directa ou indirecta - conduziu depois a um sistema de incentivos que resultou na criação de risco sistémico associado a entidades relativamente pequenas à escala mundial. O caso mais paradigmático foi a AIG que acumulou potenciais responsabilidades, nunca aprovisionadas, da ordem das centenas de milhares de milhões de dólares - muitas vezes superior ao seu balanço ou à sua capacidade de tesouraria ou de endividamento.

Assim, enquanto nos EUA a Reserva Federal andava às aranhas - não conhecia com rigor os compromissos e responsabilidades dos agentes financeiros -, no Brasil, o Banco Central no seu posto de "Big Brother" nunca perdeu o controlo. É certo que a dimensão do mercado OTC brasileiro nada tem a ver com o americano, porém, foi na deformação do "design" e da arquitectura do sistema financeiro norte-americano que residiu (e continua a residir) o principal problema. Adicionalmente, como é referido na entrevista hoje publicada no DE, no Brasil os rácios de capital dos bancos são em média de 17% (bem superior às recomendações do nosso Banco de Portugal e de outros bancos centrais ocidentais, que sugerem 8%). E, mais ainda, a taxa de reserva de depósitos é de 20%, uma postura bem prudente em comparação com aquilo que acontece no Ocidente, onde em alguns casos, como o Reino Unido, essa leitura é de zero, e que, inevitavelmente, conduz a banca à condição de esquema de Ponzi institucionalizado!

Em suma, no domínio da regulação financeira, não é precisa inventar a roda. Basta olha para o Brasil...e copiar o modelo!

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