19 agosto 2009

"When Markets Collide" (*)


O mercado accionista chinês está novamente sob pressão. Depois de ter implodido em 2008, teve uma recuperação espantosa nos últimos 9 meses. Contudo, ao fecho de hoje, o principal índice de acções em Shanghai regista já uma correcção de 20% face aos máximos recentes - a definição que tecnicamente caracteriza um "Bear Market" (tendência de baixa). Ao mesmo tempo, para animar o fluxo noticioso de hoje, há outros dois elementos dignos de registo: as posições (negativas) que Warren Buffett e Bill Gross (gestor da PIMCO, que detém o maior fundo mundial de obrigações) assumiram acerca do dólar norte-americano. Mas vamos por partes.

De facto, actualmente, a China é a maior ameaça à estabilidade financeira mundial. Apesar do programa de estímulo económico aprovado no início do ano, correspondente a mais de 20% do seu PIB (!), ter dado resultado. A produção industrial aumentou. E os preços do activos - imobiliários e mobiliários - também. Estes resultados são o reflexo da extraordinária política orçamental adoptada, mas também da forma como esta foi executada: com proteccionismo (barrando a actividade de fornecedores estrangeiros que competissem com os locais) e com enorme laxismo bancário (exigindo aos bancos a abertura de linhas de crédito sem análise de risco).

Infelizmente, a recuperação sensacional operada na China não foi acompanhada - nem podia ser - pelo resto do mundo, que não lhe tem comprado bens e serviços na medida proporcional. E como a China se mantém essencialmente como uma economia exportadora, das duas uma, ou implode ou faz desencadear um processo de escoamento maciço de tudo aquilo que, desmesuradamente, andou a produzir. O problema é que nenhum dos dois cenários é bom para o Ocidente. Para os chineses, apesar de tudo, o menos mau é continuar a exportar, porventura, a preços unitários ainda mais baixos. Inundar o mercado internacional, que é o que vão tentar fazer.

Em simultâneo, a questão do dólar, como moeda de referência do sistema financeiro internacional. As posições de Buffett e Gross não são novas - limitam-se a expôr (novamente) os receios associados aos "Twin deficits" da América. Contudo, é verdade que a situação orçamental dos Estados Unidos se tem vindo a deteriorar e, neste momento, estima-se que o défice orçamental possa até chegar aos 15% do PIB. Uma tragédia que resultaria na inevitável desvalorização do dólar. Porém, para que o dólar desvalorize é necessário que outras divisas valorizem. Mas quais? O euro? Não, a ausência de uma união política entre os membros da zona euro descredibiliza a moeda. O yen? Não, o Japão já vai na segunda década perdida e a provável mudança de cores políticas no governo traz incerteza. O yuan? Duvido e explico porquê.

No início do ano passado, um dos colegas de Bill Gross na PIMCO, Mohamed El-Erian, publicou um magnífico livro chamado "When Markets Collide". Nele, o autor - um dos mais conceituados investidores profissionais do nosso tempo - define os quatro estágios associados à evolução dos países emergentes, da transição "from a debtor regime to a creditor regime". A primeira fase é a do "Benign Neglect", ou seja, estes países começam a receber fluxos e receitas até aqui improváveis, sem lhes dar grande importância. A segunda fase é a da "Sterilization" dos fluxos, emitindo dívida pública ou, simplesmente, escondendo o dinheiro em "offshores". A terceira fase é marcada pela "Liability and Asset Management", em que estes países emergentes começam a ter alguma consciência política em relação às gerações futuras, iniciando assim a diversificação da sua riqueza através de fundos soberanos ou afins. Por fim, a quarta fase, que é "Embracing Change", em geral acompanhada de abertura política (quando esta não existe), valorização das taxas reais de câmbio e crescimento do respectivo mercado interno (aparece a classe média e aumentam as importações).

Ora, na minha opinião, a China já passou pelas primeiras três fases, mas não pela quarta e derradeira fase. Por isso, infelizmente, acredito não se deve esperar muito do mercado interno chinês nem do yuan.

(*) El-Erian, Mohamed (2008). When Markets Collide, Integrated Strategies for the Age of Global Economic Change. New York: McGraw-Hill

Sem comentários: