08 julho 2009

Perfeitamente


Num post anterior argumentei que os partidos políticos modernos são os herdeiros directos das igrejas protestantes em que se dividiu o cristianismo após a Reforma religiosa. A excepção foram Portugal, a Espanha e a Itália, onde a Igreja Católica reteve o monopólio do Cristianismo, e cuja tradição é, em consequência, a de partido único. Daí as dificuldades destes países, e dos seus descendentes na América Latina, em prosperar em regime de democracia partidária.

Foi esta dificuldade que num post mais recente me levou a defender a abolição dos partidos políticos. Será possível uma democracia sem partidos? É esta a questão a que pretendo responder neste post. Antes de responder, pretendo, porém, reformulá-la nos seguintes termos: se a democracia é uma instituição genuinamente cristã, e os partidos políticos os herdeiros das igrejas cristãs, a questão de saber se a democracia é possível sem partidos é equivalente a saber, em primeiro lugar, se o Cristianismo é possível sem igrejas.

Existem apenas duas ocasiões em que Cristo pronuncia a palavra igreja nos Evangelhos, ambas em Mateus. A palavra é derivada do grego ekklèsia e tinha então o significado de um grupo de cidadãos chamados a reunirem-se para fins políticos. A primeira vez que a palavra ocorre nos Evangelhos é quando Jesus responde à confissão de Pedro ("Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo") e lhe diz: "Também Eu te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno nada poderão contra ela" (Mt. 16:18).

No segundo caso, referindo-se ao pecador que recusa ouvir as palavras de quem o adverte e procura fazer regressar ao bom caminho, Cristo diz: "Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à igreja; e se ele se recusar a atender à própria igreja seja para ti como um pagão ou um publicano" (Mt. 18:17).

Em ambos os casos, a palavra parece ter na boca de Cristo o seu sentido etimológico original - o de comunidade -, uma comunidade local no segundo caso, e possuindo um carácter mais universal de comunidade de fieis no segundo caso. Não decorre necessariamente em nenhum dos casos que Cristo utilize a palavra no sentido institucional que ela hoje possui. Logo a seguir, Cristo torna claro que a celebração da fé pode fazer-se de modo muito informal: "Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles" (Mt. 18:20).

O Cristianismo é uma religião histórica, no sentido em que é centrada na vida de um homem que existiu e cuja vida é, em parte, conhecida. Será possível ser cristão sem fazer parte de uma igreja, no limite, será possível manter o cristianismo no mundo mesmo quando todas as igrejas cristãs tivessem desaparecido? Perfeitamente. As palavras de Cristo estão nos Evangelhos, cerca de duzentas páginas, e uns frequentemente repetindo os outros. Cristo fala uma linguagem vulgar, entrecortada de histórias (parábolas) que se dirigem muito mais ao coração dos homens do que à razão. Basta ler e seguir as palavras d'Ele. Quanto a celebrar a eucaristia, qualquer um o pode fazer em família ou com os amigos.
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Olhando em retrospectiva, as igrejas só serviram para dividir as pessoas e o próprio cristianismo, não para as unir. Assim também os partidos políticos.

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