11 julho 2009

os juristas


Os padres (professores) constituem a elite tradicional das sociedades de cultura católica. Aquilo que distingue a elite do povo nestas sociedades é que a primeira julga e a segunda é julgada. Julgar os outros - não necessariamente num tribunal, mas nos actos da sua vida corrente - é a marca distintiva da elite nos países de tradição católica e é isso que os padres sempre fizeram.

Quando as sociedades de tradição católica deram os primeiros passos no sentido da secularização (em Portugal, isso aconteceu no tempo do Marquês de Pombal), a qual significou afastar a religião do centro da vida humana, diminuindo a influência dos padres, qual foi a classe profissional que mais se bateu por tomar o lugar dos padres e ser a elite da nova sociedade católica secularizada?

Foi aquela classe profissional que se via a si própria como possuindo a função de julgar - a classe dos juristas. Nas sociedades católicas modernas e secularizadas, os juristas são os herdeiros directos dos padres, a classe profissional que ambiciona ser a elite da sociedade. (A reforma da Universidade de Coimbra empreendida pelo Marquês de Pombal representou a primeira tentativa de substituição da primazia do ensino da Teologia e da influência dos padres pelo ensino do Direito e pela influência dos juristas na formação das elites nacionais). Sem surpresa, Os juristas constituem também e invariavelmente, a classe mais anticlerical das sociedades católicas. (Em Portugal, a história do anticlericalismo moderno foi sempre liderada por juristas, como Joaquim António de Aguiar e Afonso Costa - ambos apelidados de mata-frades).

A substituição dos padres pelos juristas como putativa elite da sociedade católica moderna e secularizada é decisiva para compreender as novas formas de enriquecimento fácil e seguro nestas sociedades e as inúmeras dificuldades que estas sociedades experimentam em democracia, como a instabilidade governativa, a hiperinflação legislativa e a complexidade das leis, a falência dos seus sistemas de justiça, a terraplenagem de valores e a corrupção.
.
A secularização das sociedades católicas e a substituição dos padres pelos juristas como sua putativa elite teria representado um avanço se, à semelhança dos países de tradição protestante, ela tivesse cortado a intermediação humana entre os homens e os seus objectivos na vida (originalmente, chegar a Deus). Mas não cortou. Apenas substituiu os padres pelos juristas nesta intermediação. Onde estavam os padres a definir as condições para um homem chegar a Deus, e a vender as facilidades (sacramentos) para ele entrar no reino dos ceus, passaram a estar os juristas com as suas leis a definir as condições para um homem construir uma casa, fundar um hospital ou uma universidade, abrir uma empresa ou concluir um grande negócio, e foram eles também que, em imensa maioria, se colocaram lá no sítio onde agora, em substituição da Igreja, se vendem as facilidades - o Estado e, mais geralmente, a política.

Sem comentários: