11 julho 2009

terraplanagem


Eu estou interessado em descobrir porque é que o regime de democracia-liberal nunca triunfou nos países de cultura exclusivamente católica, como Portugal, Espanha e os seus descendentes na América Latina, apesar das várias tentativas feitas desde a Revolução Francesa. Ainda recentemente caiu mais um regime democrático neste universo de países - nas Honduras. Secundariamente interessa-me saber porque é que o liberalismo moderno, que teve como principais cultores economistas como Ludwig von Mises, Hayek, Friedman e outros, a prazo, não funciona nestes países. O que é que está errado, ou o que é que falta, ao pensamento destes homens?

O progresso que já realizei tem-me levado a considerar a religião como o principal determinante da cultura de um povo, e em particular a ideia de Deus. Não existe, nem nunca existiu, nenhuma sociedade sem Deus. Deus é, de longe, a ideia mais importante da humanidade, a ideia sem a qual nenhuma comunidade humana conseguiu existir, e a maneira como as pessoas pensam e agem é o resultado directo da maneira como na sua cultura os homens se relacionam com Deus.

Tomando estes ideias como premissas, eu gostaria neste post de dar mais um passo nesta análise, retomando a dicotomia entre cultura católica e protestante, que é aquela que releva na Civilização Ocidental, da qual Portugal faz parte. O meu objectivo último é o de fazer o diagnóstico dos males que afectam presentemente a sociedade portuguesa e procurar prever o curso da sua evolução para os próximos anos. O sucesso ou insucesso da minha teses será, em última instância, julgado pela precisão ou imprecisão das minhas previsões.
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Na tradição protestante todos os homens têm uma relação directa com Deus, e são julgados por Ele e só por Ele, no dia do Juizo Final. Pelo contrário, na tradição católica só uma elite (padres ou professores) possui essa relação directa com Deus, e é esta elite que julga as condições de acesso a Deus por parte do homem comum ou homem do povo. Daqui resulta o carácter mais igualitário das sociedades protestantes, em contraposição com a dicotomia elite-povo que é típica dos países católicos e que neles se traduz em índices de desigualdade social e económica consideráveis.

O homem do povo de um país de tradição católica não está habituado a julgar. Ele está habituado a ser julgado, e está habituado a ser julgado, não por Deus, mas por outros homens. Por isso, num país de tradição católica, quando a democracia se instala e remove os homens de elites das posições de relevo na sociedade e os substitui por homens do povo, a consequência inevitável é a prevalência generalizada de falta de julgamento na sociedade.

A primeira instituição a ressentir-se é, obviamente, a justiça. Não é possível fazer justiça quando os homens que agora predominantemente ocupam os lugares do sistema de justiça possuem falta de julgamento. Mas esta falta de julgamento, que é uma ausência de critérios, não se reflecte apenas na justiça. Reflecte-se na governação, nos padrões de educação, na forma como são desempenhadas as profissões e que, em última instância, determinam a produtividade do país.

Habituado na sua cultura a ter na elite dos padres (professores) os seus intermediários com Deus, aqueles que lhe forneciam o critério do pecado e da virtude, quando a democracia lhe tira esta elite do caminho, o homem do povo fica sem saber distinguir o pecado da virtude e não tolera a justiça. Democratize-se uma sociedade de tradição católica; substituam-se os homens de elite por homens do povo nos lugares de maior influência social, como a justiça, a educação, a saúde, a governação; e aquilo a que se vai assistir é à maior terraplanagem dos valores que mantinham a sociedade de pé. A razão é que o povo não possui capacidade de julgamento. Não tem critério.

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