20 julho 2009

gambuzinos


Utilizando os argumentos dos meus posts anteriores, gostaria de voltar a um tema que me é caro - a impossibilidade de instituir o liberalismo económico num país de tradição católica. Considero, para o efeito, o surgimento de uma nova indústria imaginária dedicada à produção de gambuzinos.

Num país de tradição protestante, não há interferência humana entre o homem e os seus fins. Quem quiser é livre de produzir e comprar gambuzinos, sem qualquer interferência de terceiros. Enriquecem aqueles que primeiro produzirem gambuzinos ou os produzam melhor. O preço é determinado pela livre interacção entre a oferta e a procura. O Estado nunca intervém no negócio e só publicará alguma lei se a produção ou o consumo de gambuzinos gerarem efeitos externos (danos a terceiros). Um dia um produtor vende gato por gambuzino. O produtor é julgado sumariamente em tribunal e apanha cinco anos de cadeia.

Num país católico, tudo será diferente. Os homens são considerados pecadores. Por isso, a relação entre o homem e os seus fins tem de ser intermediada por outros homens que se certificam que a produção e o consumo de gambuzinos não trazem males ao mundo. Antes que um homem esteja autorizado a produzir ou consumir gambuzinos, será feita uma lei que define ao detalhe o que são gambuzinos, uma espécie de fina distinção entre o gato e o coelho, quem pode produzir gambuzinos e em que condições, as licenças necessárias e as qualificações profissionais exigidas. A Entidade Reguladora dos Gambuzinos (ERG) será estabelecida para supervisionar a indústria.

Quem vai enriquecer no negócio dos gambuzinos, não é já o homem comum, mas apenas o universo restrito daqueles que possuem as qualificações profissionais necessárias e que possuam os meios para persuadir os funcionários da ERG a conceder-lhes a licença de produção.

Um dia um produtor vende gato por gambuzino. A ERG ordena imediatamente um rigoroso inquérito. O assunto chega à justiça. Olhando a letra da lei, o gambuzino é muito parecido com o gato, e prova-se em tribunal que existem até variedades de gambuzinos cuja composição genética chega a ser praticamente indistinguível da do gato. No limite, portanto, o gato é uma espécie extrema de gambuzino. Não há crime nenhum e o produtor é absolvido. Neste país, portanto, gato passa a ser gambuzino.
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Daqui resulta uma corporação que protege os produtores, não um mercado livre que defende, sobretudo, os consumidores. O que é que destruiu o mercado livre? Duas forças culturais do catolicismo. Primeiro a intermediação dos funcionários da ERG (o equivalente dos padres) entre o homem (produtor ou consumidor) e os seus fins (os gambuzinos, substituindo-se na situação a Deus). Segundo, a ambiguidade da lei que é típica dos países católicos e que resulta de intrometer a tradição (doutrina da Igreja, portanto interpretação humana) com as Escrituras (Lei) como fonte da revelação (verdade).

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