15 julho 2009

exclusivamente


Nos países protestantes a justiça é o árbitro da democracia. Assim, por exemplo na eleição presidencial de 200o, Bush vs. Gore, foi o Supremo Tribunal a decidir quem era o Presidente. Pelo contrário, nos países de tradição católica a justiça é o carrasco da democracia (o árbitro são os militares). Ainda recentemente um estudo de opinião revelou que a maior insatisfação dos portugueses com a democracia está focalizada na justiça.
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A que é que se deve esta diferença tão fundamental entre a qualidade da justiça nos países protestantes e a falta dela nos países católicos, a que me tenho vindo a referir, como no post anterior? Deve-se a uma radical mudança de atitude cultural que ocorreu na Reforma, segundo a qual um homem não se justifica perante outros homens, mas somente perante Deus. As célebres 95 teses de Lutero não são mais do que uma argumentação cerrada em defesa da ideia de que os homens (na altura, os padres, incluindo o Papa) não têm poder para julgar outros homens, mas que esse poder pertence exclusivamente a Deus. Assim, por exemplo, a tese 21 afirma categoricamente:
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"21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda a pena e salva pelas indulgências do papa."
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As teses 75 e 76 são ainda mais categóricas:
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"75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura. 76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa."
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Na cultura portestante, então, o julgamento final e a absolvição só pode ser pronunciada por Deus. Na cultura católica, pelo contrário, ela é pronunciada pelos homens (originalmente, os padres). Se um homem tiver uns padres amigos (hoje, uns políticos amigos) e dinheiro para lhes pagar (como na altura se fazia, comprando as indulgências), ele obterá a remissão dos pecados. Portanto, na cultura católica, se um homem tiver um grupo de amigos influentes, a quem pague favores e de quem receba favores, eles vão-lhe perdoar todos os pecados, como amanhã ele os perdoará a cada um dos outros membros do grupo.
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Ao abrigo do grupo, sobretudo se fôr um grupo influente, um homem pode, pois, cometer todos os crimes, e ainda assim sair incólume. Numa democracia não existe grupo mais influente e poderoso do que um partido político. É assim que, em democracia, a justiça resulta inevitavelmente partidarizada e desaparece todo o sentimento de justiça. Duas pessoas cometem o mesmo crime, uma é membro de um partido político, a outra não é. Se a justiça penalizar alguém, é a segunda. É claro que, a prazo, nem esta é penalizada, invocando o precedente de que a primeira nunca o foi. Está destruído o sistema de justiça num país de tradição católica.
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Na tradição protestante, pelo contrário, as leis são feitas e aplicadas , tanto quanto possível, à imagem e semelhança do que seria a vontade de Deus. Aqui não há amigos nem grupos. Quem comete um crime é penalizado porque se presume ser essa a vontade de Deus, que é o Juiz Supremo. É a ideia de que, em última instância, um homem tem de prestar contas da sua vida a Deus, e não a outros homens, que faz a diferença entre a qualidade da justiça nos países protestantes e nos países católicos.

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