01 julho 2009

começo a considerar que não



"(...)A Reforma modificou muito os países agora protestantes. Tornaram-se mais ricos, organizados e civilizados. Mas também se tornaram mentalmente mais doentes, praticaram mais genocídios e, paradoxalmente, no mesmo momento em que se tornaram mais humanistas, tornaram-se também mais desumanos(...)".
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Professor Doutor,
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Concordo em parte. Eu diria o seguinte: não foi 'A' Reforma diretamente (no sentido de processo de renovação religiosa) quem tornou os, digamos, seus povos "mais doentes". Foi, aí sim, o que eu costumo denominar degenerescência do espírito da Reforma. Que bicho é esse? Veja: o aspecto central de todo o processo da Reforma foi o de permitir e estimular que os fiéis buscassem, por si mesmos, o conhecimento da Palavra, sem a intermediação de atravessadores, qual seja, o clero católico.
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Ora, o resultado disso foi um extraordinário fomento do interesse intelectual nos países protestantes, a subida do índice de alfabetismo e, isso é fundamental, uma imensa abertura para a circulação de idéias, como o Ocidente não via desde a Antiguidade. Portanto, resumindo a ópera, os protestantes introjetaram esses valores: importância e essencialidade do conhecimento, vocação ao debate e disponibilidade absoluta para a circulação de idéias novas.
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E como estava o mundo católico, nomeadamente em seus dois baluartes ibéricos: fechado, hostil a novas idéias, que somente corriam entre uma elite de poucos estudiosos, e aferradas à ortodoxia da Igreja (romana). Não vou me alongar no relato da perversão do sistema católico. V. já o fez nos seus inúmeros e brilhantes diagnósticos do modo de ser e de proceder do povo português (valendo, claro, para o Brasil, esse imenso Portugal).
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Porém, qual foi a perversão do sistema protestante? A aceitação ilimitada, praticamente sem discricionariedade, da possibilidade de entrar em linha de debate toda e qualquer idéia. Quando esses povos eram mais homogêneos e mais aferrados à sua fé, as idéias socialmente nefastas eram digeridas pela própria sociedade, que mantinha intacto o vínculo com seus fundamentos civilizacionais. Mas houve um tempo, e eu localizo esse tempo a partir de meados do séc. XVIII, que essas idéias nefastas já não puderam mais ser metabolizadas com tanta facilidade e se converteram em ideologias, ou seja, doutrinas artificialmente construídas com o único propósito de sustentar projetos de engenharia social. E passaram a fustigar as bases, os princípios, os fundamentos, especialmente os morais e religiosos, sobre os quais as sociedades protestantes estavam solidamente assentadas.
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E então, esse valor tão caro aos protestantes, o amor às idéias, passou a ser usado para solapar a própria sociedade que o sustentava. Hegelianismo, iluminismo, marxismo, relativismo moral... E vejo hoje, com o coração apertado, as sociedades outrora tão cônscias de sua fé, do que sustenta o seu estilo de vida e a sua harmonia, dos seus valores mais caros, sendo tragada pela voragem de uma sua criatura (a livre circulação de idéias) que acabou por se converter em algo que os pais da Reforma jamais poderiam supor.
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Mas os protestantes têm experiência com o trato de idéias e já abateram muitas ideologias demoníacas no passado. Creio firmemente que, p. ex., os americanos saberão encontrar uma fórmula de resistência ao câncer relativista e ao laxismo que ameaça a ordem de sua sociedade.Lembro, p.ex., que foram as grandes democracias liberais e protestantes que salvaram o mundo três vezes no século passado. Quer dizer, a ação protestante venceu ideologias nascidas...em países protestantes.
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Entretanto, hoje eu me preocupo muitíssimo é com o Brasil. E confesso - como já tive ocasião de escrever aqui - que sinto balançarem as minhas convicções sobre qual a melhor forma de se conduzir povos que tiveram uma trajetória histórica tão diferentes daqueles que v., Pedro, chama de países do norte da Europa e da América do Norte.
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O que acontece hoje no Brasil tem abalado minhas convcções. Não pessoais, quero dizer, pois sou firme em minha fé reformada e no meu liberalismo de matriz anglo-americana. Mas será correto, será que temos o direito de forçar o Brasil (e Portugal) ao mesmo erro cometido pelos reformadores da Europa? Eu já disse aqui: não reformaram a ICAR, mas apenas a si mesmos. Fracassaram.Eu e muitos outros reformamos a nós mesmo. Poderemos reformar o Brasil na mesma base? É o que hoje começo a considerar que não. São idéias, e mais que isso, é um projeto intelectual em curso, que gostava muito de dividir com v., caro Pedro, e com todos os demais.
Um abraço a todos.
LG 07.01.09 - 4:14 pm #

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