Quando as instituições portuguesas tiverem de ser refeitas - o que eu acredito que vai suceder dentro dos próximos anos - algumas ideias firmes julgo que deveriam ser tomadas em consideração.
A primeira e a mais decisiva é a cultura portuguesa. Portugal é um país com quase novecentos anos de história e uma cultura muito forte - uma cultura que eu tenho caracterizado aqui como sendo uma cultura profundamente católica. Deve ser agora claro para os meus leitores que, quando me refiro à sua cultura católica, eu não pretendo afirmar que os portugueses são, ou alguma vez foram, extraordinariamente religiosos. Na realidade, não são nem nunca foram de uma forma generalizada. Pelo contrário, aquilo que caracteriza a cultura católica é o facto de ela ser muito pouco religiosa e muito mais devota. Pretendo significar, antes, uma cultura que tem a sua matriz de valores no Cristianismo, filtrado ao longo dos séculos pela interpretação que lhe foi dada pela Igreja Católica.
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Esta cultura tem um apego extraordinário à verdade, e deixa para segundo plano as questões de justiça ou de equidade, e aqui reside o seu calcanhar de Aquiles. É uma cultura com muita sabedoria e muito pouco sentido de justiça. Esta cultura é também de um liberalismo e de uma tolerancia individual extremos. Foi com esta cultura que os portugueses, em certo período da sua história, conseguiram grandes feitos no mundo, a tal ponto que não é possível escrever a história da humanidade sem os mencionar. Para um pequeno povo, este é um feito extraordinário, e que impede qualquer pessoa razoável de desdenhar desta cultura. Eu tenho grande dificuldade em aceitar aqueles que só sabem dizer mal de Portugal e dos portugueses. Exibem a pior pecha da sua cultura - a falta de julgamento.
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Aquilo que é necessário fazer em primeiro lugar, para reconstruir o país é, portanto, conhecer a cultura dos portugueses e julgá-la de modo imparcial. Portugal anda literalmente aos tombos desde o tempo do Marquês de Pombal, oscilando permanentemente entre regimes democráticos e regimes autoritários, separados por numerosas revoluções, golpes de Estado e um sem-número de iniquidades. Para que a reconstituição de Portugal em bases sólidas seja viável, é necessário que os portugueses, em primeiro lugar, aceitem conhecer-se a si próprios e depois desenhem instituições adequadas àquilo que são, e que os salvaguardem daquele que, de longe, constitui o seu pior defeito - a falta de julgamento ou de sentido de justiça. Já se viu que não basta ir ao estrangeiro importar instituições. As instituições inglesas, americanas e alemãs estão adequadas à cultura desses povos - que eu tenho chamado uma cultura de influência protestante - e não funcionam bem em Portugal que possui uma cultura homogeneamente católica.
Não é difícil conhecer a cultura portuguesa e caracterizá-la nos seus grandes traços que são aqueles que são essenciais ao desenho das instituições. Precisamente porque é uma cultura muito homogénea, ela é de relativamente fácil caracterização. Porém, muito poucas têm sido as tentativas para a caracterizar, provavelmente porque a cultura portuguesa oferece à primeira vista um aspecto de tal forma variado nas múltiplas personalidades dos portugueses que parece desafiar toda a caracterização. A dificuldade é meramente aparente porque os portugueses são, afinal, consideravelmente homogéneos no seu liberalismo de base. A questão é como canalizar este liberalismo de base, e consideravelmente humanista, em instituições que, na esfera pública, façam os portugueses sentir-se bem consigo próprios e com os outros, promovam harmonia social e o progresso económico. Eu penso que este é o desafio que desde há pelo menos dois séculos e meio se coloca à inteligência nacional e que nunca foi resolvido. Em parte, talvez, porque é um problema que também nunca foi formulado.
A resolução de um problema tão importante e de tal dimensão exige que se comecem por tomar em conta os aspectos principais da cultura portuguesa. E estes são, do lado positivo, a imensa sabedoria do povo português, traduzida no seu apego à verdade, mais o seu liberalismo e a sua tolerância individual e, do lado negativo, a imensa falta de julgamento, mais o seu autoritarismo e a sua intolerancia de grupo. As instituições a identificar devem, por isso, fomentar os primeiros e desencorajar seriamente os segundos. Este é o problema por excelência que, na minha opinião, se coloca à inelectualidade portuguesa. É altura de os portugueses o resolverem.
A primeira e a mais decisiva é a cultura portuguesa. Portugal é um país com quase novecentos anos de história e uma cultura muito forte - uma cultura que eu tenho caracterizado aqui como sendo uma cultura profundamente católica. Deve ser agora claro para os meus leitores que, quando me refiro à sua cultura católica, eu não pretendo afirmar que os portugueses são, ou alguma vez foram, extraordinariamente religiosos. Na realidade, não são nem nunca foram de uma forma generalizada. Pelo contrário, aquilo que caracteriza a cultura católica é o facto de ela ser muito pouco religiosa e muito mais devota. Pretendo significar, antes, uma cultura que tem a sua matriz de valores no Cristianismo, filtrado ao longo dos séculos pela interpretação que lhe foi dada pela Igreja Católica.
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Esta cultura tem um apego extraordinário à verdade, e deixa para segundo plano as questões de justiça ou de equidade, e aqui reside o seu calcanhar de Aquiles. É uma cultura com muita sabedoria e muito pouco sentido de justiça. Esta cultura é também de um liberalismo e de uma tolerancia individual extremos. Foi com esta cultura que os portugueses, em certo período da sua história, conseguiram grandes feitos no mundo, a tal ponto que não é possível escrever a história da humanidade sem os mencionar. Para um pequeno povo, este é um feito extraordinário, e que impede qualquer pessoa razoável de desdenhar desta cultura. Eu tenho grande dificuldade em aceitar aqueles que só sabem dizer mal de Portugal e dos portugueses. Exibem a pior pecha da sua cultura - a falta de julgamento.
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Aquilo que é necessário fazer em primeiro lugar, para reconstruir o país é, portanto, conhecer a cultura dos portugueses e julgá-la de modo imparcial. Portugal anda literalmente aos tombos desde o tempo do Marquês de Pombal, oscilando permanentemente entre regimes democráticos e regimes autoritários, separados por numerosas revoluções, golpes de Estado e um sem-número de iniquidades. Para que a reconstituição de Portugal em bases sólidas seja viável, é necessário que os portugueses, em primeiro lugar, aceitem conhecer-se a si próprios e depois desenhem instituições adequadas àquilo que são, e que os salvaguardem daquele que, de longe, constitui o seu pior defeito - a falta de julgamento ou de sentido de justiça. Já se viu que não basta ir ao estrangeiro importar instituições. As instituições inglesas, americanas e alemãs estão adequadas à cultura desses povos - que eu tenho chamado uma cultura de influência protestante - e não funcionam bem em Portugal que possui uma cultura homogeneamente católica.
Não é difícil conhecer a cultura portuguesa e caracterizá-la nos seus grandes traços que são aqueles que são essenciais ao desenho das instituições. Precisamente porque é uma cultura muito homogénea, ela é de relativamente fácil caracterização. Porém, muito poucas têm sido as tentativas para a caracterizar, provavelmente porque a cultura portuguesa oferece à primeira vista um aspecto de tal forma variado nas múltiplas personalidades dos portugueses que parece desafiar toda a caracterização. A dificuldade é meramente aparente porque os portugueses são, afinal, consideravelmente homogéneos no seu liberalismo de base. A questão é como canalizar este liberalismo de base, e consideravelmente humanista, em instituições que, na esfera pública, façam os portugueses sentir-se bem consigo próprios e com os outros, promovam harmonia social e o progresso económico. Eu penso que este é o desafio que desde há pelo menos dois séculos e meio se coloca à inteligência nacional e que nunca foi resolvido. Em parte, talvez, porque é um problema que também nunca foi formulado.
A resolução de um problema tão importante e de tal dimensão exige que se comecem por tomar em conta os aspectos principais da cultura portuguesa. E estes são, do lado positivo, a imensa sabedoria do povo português, traduzida no seu apego à verdade, mais o seu liberalismo e a sua tolerância individual e, do lado negativo, a imensa falta de julgamento, mais o seu autoritarismo e a sua intolerancia de grupo. As instituições a identificar devem, por isso, fomentar os primeiros e desencorajar seriamente os segundos. Este é o problema por excelência que, na minha opinião, se coloca à inelectualidade portuguesa. É altura de os portugueses o resolverem.
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