20 abril 2009

de gema



Os trechos que tenho vindo a citar de Ramalho Ortigão ilustram que ele era um português de gema. Para quem como ele pretendia revolucionar a sociedade portuguesa, a conclusão só pode ser que ele estava destinado ao falhanço.

Eu penso ter citado o suficiente para se concluir que para Ramalho a verdade estava sempre no estrangeiro. Não apenas isso - na sua opinião, os portugueses só tinham defeitos. O episódio daquele seu amigo americano que louvou a forma como os portugueses se vestiam foi logo ofuscado pela superstição de dandismo que ele atribuiu aos portugueses. Ir buscar a Inglaterra como standard de práticas dietéticas não ocorreria a ninguém que alguma vez tenha estado submetido à dieta anglo-saxónica. E as meninas inglesas que são fantásticas, mas que se vestem mal, têm o pé grande, calçam botas de bico, caminham a trote e não arranjam namorados - por outras palavras, são aquilo que em Portugal se designa por estafermos - é uma opinião deliciosa.

Como já salientei, os portugueses definem a sua personalidade por oposição aos outros portugueses e, portanto, geralmente, de forma negativa. Cada português é aquilo que os outros não são. Então se ele tem a oportunidade de ir ao estrangeiro e de saber coisas que os outros portugueses não sabem, e ser coisas que os outros portugueses não são, ele torna-se um estrangeiro na sua terra - numa palavra, um estrangeirado.

Definindo-se por oposição aquilo que os outros são, cada português sente-se diferente dos outros para melhor e é esta diferença que lhe confere a sua personalidade distintiva. Esta personalismo onde cada um sente que o mundo seria muito pior se ele não existisse é uma característica admirável da cultura católica. Tem o grande inconveniente de pôr cada português à procura de uma pequena diferença no mundo que o faça diferente de todos os outros - e para melhor. Tem também o inconveniente de pôr cada português a dizer mal dos outros.

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