02 março 2009

ninguém se queixa


Neste post eu gostaria de elaborar sobre a natureza dos sistemas de justiça na sociedade de tradição católica e na sociedade de tradição protestante, ambas em forma pura.
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Na sociedade de tradição protestante, justiça é equidade (fairness, imparcialidade). As 95 teses de Lutero que desencadearam a Reforma Protestante são essencialmente pedidos de equidade (claims of justice) acerca dos privilégios e abusos do clero. Muito diferente é a natureza da justiça na tradição católica. Esta é uma tradição baseada na verdade, e acerca da verdade não há pedidos de equidade possíveis. Em relação à verdade só pode haver conformidade ou não-conformidade. Por isso, a justiça da tradição católica está orientada para penalizar aqueles que faltam à verdade da vida. Para esta tradição, justiça é retribuição.
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Na tradição protestante, são as pessoas que vão ter com o sistema de justiça da mesma forma que alguém vai ter com um árbitro imparcial pedindo-lhe para dirimir um litígio. Na tradição católica é o sistema de justiça que vai ter com as pessoas para lhes retribuir. Nesta tradição, as pessoas nunca vão ter com o sistema de justiça, excepto para denunciar. É o sistema de justiça que vai atrás delas. Daqui resulta que toda a organização do sistema judicial na sociedade de tradição protestante está orientado para julgar, enquanto na sociedade de tradição católica ele está organizado para condenar.
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A justiça é o ideal da sociedade de tradição protestante e o caminho para a justiça nesta sociedade é a tradição, isto é, o precedente (cf. aqui). A justiça realiza-se na equidade, aquele estado de coisas acerca do qual ninguém se pode queixar (a state of affairs about which there are no claims of justice?). A justiça possui, portanto, na sociedade protestante um critério objectivo. Justiça existe quando não há ninguém que se queixe.
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É altura de perguntar: E na sociedade católica, qual é o caminho para a justiça? A resposta é - a virtude. A justiça representa na tradição católica uma das quatro virtudes cardiais, as outras sendo a prudência, a fortaleza e a temperança, e é a principal de todas as virtudes, aquela em que se resumem todas as outras: "Se alguém ama a justiça, o fruto dos seus trabalhos são as virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça [equidade?] e a fortaleza" (Cat: 1805).
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Na tradição católica a justiça possui um carácter subjectivo, porque está associada a uma virtude do carácter humano, e uma virtude que é adquirida. Não existe nesta tradição padrão objectivo para avaliar a justiça. A justiça está em quem julga. Na tradição protestante, a justiça está na equidade, que é um padrão objectivo ("ninguém se queixa"). Na tradição católica, a justiça está na subjectividade do homem virtuoso.
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Daqui resulta que no sistema de justiça protestante pode dar-se ao juiz a máxima liberdade de julgamento porque existe um critério objectivo para avaliar as suas decisões. Essa liberdade não pode ser concedida ao juiz de tradição católica porque a variância das decisões retiraria qualquer aparência de equidade ao sistema de justiça. Na tradição católica, a lei tem de especificar as penas aplicáveis a cada crime, deixando ao juiz muito pequena margem de julgamento.

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