12 março 2009

a Mãe


Retomo aqui o tema deste post. Sendo as mulheres mais representativas do povo português do que os homens, e tendo eu atribuido anteriormente ao povo português um liberalismo extremo e uma tolerância praticamente sem limites, a conclusão a tirar é que o liberalismo e a tolerância do povo português assentam sobretudo nas mulheres.

E manifestam-se em primeiro lugar na sua condição de mães. A mãe portuguesa é uma mãe extraordinariamente permissiva e tolerante em relação aos seus filhos-rapazes, os únicos que me ocupam neste post. Se o rapaz, logo desde a nascença, mostra alguma tendência, qualquer que ela seja e por mais extravagante que seja, a mãe portuguesa não só aceita as tendências do filho, como ainda as encoraja. Se aos dois anos, o menino mostra gosto pela música, ela canta com ele, compra-lhe discos e até instrumentos musicais. Se aos seis, o rapaz mostra interesse pela dança, ela inscreve-o no ballet. Se aos quatro, o miúdo decide bater com a cabeça na parede todas as manhãs, ela lamenta-se perante os amigos com um ar resignado: "Não consigo fazer nada deste rapaz ... imaginem que agora até bate com a cabeça na parede do quarto todas as manhãs ...", e logo a seguir vai forrar a parede a papel para que o menino não se magoe.

É o pai que, pertencendo embora à mesma tradição e, por isso, de forma limitada, modera o permissivismo extremo da mãe e, de quando em vez, irritado e com voz grossa, põe fim aos excessos do menino a quem a mãe protege sem limites, tudo tolera e até encoraja. O pai surge, assim, na família católica, aos olhos dos filhos-rapazes como a figura distante, austera e disciplinadora, em contraste com a figura bondosa e permissiva da mãe. É a mãe que produz os meninos-mimados que são característicos da cultura católica e da sociedade portuguesa, em particular, e aos quais já me referi de forma abundante. É a mãe que, tolerando e encorajando no menino todas as suas tendências naturais, mesmo as mais extravagantes, torna o seu filho diferente dos filhos das suas vizinhas, e confere ao homem português os seus traços de personalidade distintivos, que são diferentes dos de todos os vizinhos.
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Esta filosofia extraordinariamente liberal de educação contrasta com a filosofia de educação dos países protestantes, onde os filhos são todos educados de acordo com os mesmos rígidos princípios, de tal forma que o filho de uma mãe é, nos seus comportamentos exteriores, exactamente igual aos filhos das suas vizinhas. É ainda esta rigidez de educação que confere ao homem de cultura protestante aquela uniformidade de comportamentos e a sua propensão para o consenso, que não existe nos países de tradição católica.

Na tradição católica, é a mãe que oferece ao filho a possibilidade de experimentar tudo, muitas vezes às escondidas do pai. Por isso, ela é de longe a primeira e a mais rica fonte de aprendizagem e ensinamentos para o homem de tradição católica. É ela que lhe permite as primeiras experiências na vida, e praticamente todas as que o filho quiser, e é por via da mãe que ele adquire os primeiros e mais marcantes saberes. O filho retribui-lhe mais tarde tornando a figura da mãe uma figura quase objecto de devoção. Logo desde miúdo, brincando com os outros na escola ou na rua, ele faz saber a todos os amigos que a maior ofensa que lhe podem fazer é chamar nomes à mãe.

O papel decisivo, e quase exclusivo, que, na nossa cultura, a mãe desempenha na educação do seu filho, só às vezes interrompido pela relativa austeridade e intolerância do pai, é depois continuado no infantário e na escola primária, através da predominância avassaladora de mulheres que são educadoras de infância e professoras, e este processo de aprendizagem do rapaz junto das mulheres vai continuar mesmo depois de ele se tornar adulto.

A forma como o homem adulto aprende com a sua mulher e, mais geralmente, com as mulheres com quem ele convive, por exemplo, no emprego, é precisamente o tema do meu próximo post.
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PS. Um exemplo do menino-mimado português, e da sua falta de julgamento, está aqui. A mãe, fazendo jus à nossa tradição cultural, ter-lhe-à permitido tudo e achado muita graça a tudo o que o menino fazia ou dizia, o que na prática significa tudo aquilo que lhe vinha à cabeça. O pai, pertencendo à mesma tradição tolerante e só diferindo em grau, não lhe terá censurado suficientemente os julgamentos. O resultado é este: um puto a pronunciar julgamento sobre homens crescidos. Homens que já cá andavam há muito quando ele ainda andava a saltar.

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