Numa sociedade católica pura que importou as instituições do protestantismo - que são as instituições da democracia-liberal -, a classe mais destrutiva é a dos juristas (*). Esta é uma sociedade que se une na ideia de verdade, e a verdade não admite litigação. A propensão dos juristas para a litigação e a sua falta de sentido de justiça - típica do povo de tradição católica de que eles são parte, já que a elite está na classe dos professores - torna-se uma combinação explosiva. Põe toda a sociedade à bulha em torno dos assuntos da justiça, sem que alguma vez se faça justiça sobre eles. Esta sociedade vai entrar em ruptura e a ruptura ocorre através do seu sistema de justiça.
O meu propósito neste post é olhar para o trabalho dos juristas e descrever como eles destroem o sistema de justiça lançando a sociedade no caos e na anarquia. Como pensam e agem os juristas numa sociedade católica que importou as instituições do protestantismo - a democracia-liberal - e, em particular, também as suas doutrinas jurídicas?. Começo pela doutrina, lançando mão de Hans Kelsen (1881-1973), o jurista alemão considerado o pai do normativismo ou positivismo jurídico moderno. Kelsen, como não podia deixar de ser, é um discípulo de Kant (cf. aqui).
O primeiro ponto a salientar é que Kelsen considera que a justiça é mais importante que a verdade (cf. aqui), e neste ponto ele é distintamente protestante, seguindo o lema desta cultura segundo o qual "a verdade está na justiça", isto é, a verdade é a consequência da justiça. A justiça faz-se através de normas jurídicas, em cuja feitura - supondo sempre uma sociedade democrática - concorrem vários juristas representando as diferentes correntes de opinião jurídica na sociedade. O Direito é uma ciência normativa que visa chegar à realidade de uma sociedade, não como ela é, mas como ela deve ser, e a função da norma jurídica é chegar a essa realidade ou verdade.
E como se chega lá? A realidade, na perspectiva kantiana, é apreendida pelas percepções dos sentidos depois de filtradas pela razão (as célebres categorias kantianas). É esta filtragem que confere à realidade um carácter subjectivo. As diferentes propostas de normas jurídicas são, portanto, percepções subjectivas da realidade. A norma jurídica final, aquela que vai prevalecer e ter força de lei, resulta da litigação, da discussão entre os juristas perfilhando propostas concorrentes. E como decidir entre elas qual vai ser a norma jurídica final, aquela que vai ter o valor de lei, aquela que representa verdadeiramente a realidade, em suma, como se decide a verdade?
A resposta kantiana a esta questão é a seguinte: julgando - porque a verdade apura-se por julgamento -, e julgando através de algum processo que julgue melhor porque não julga de todo. Este é o processo democrático ou da maioria. A norma jurídica que vai prevalecer é aquela que corresponde à opinião maioritária dos juristas envolvidos no processo. Esta é a norma jurídica que representa a verdade, aquela que representa a verdadeira lei, a lei natural ou a lei de Deus.
Segue-se que a verdade está contida nas leis feitas pelos juristas. Os juristas aparecem a esta luz como verdadeiros representantes de Deus na terra. São eles que possuem a verdade. A verdade está nas leis que são feitas pelos juristas e emerge como resultado da opinião maioritária entre os juristas. É contra esta versão da verdade, em que a verdade é determinada pela maioria, que o teólogo Joseph Ratzinger se insurge aqui.
De facto, na tradição católica a verdade é determinada pela razão do homem, não pelo julgamento da maioria. As consequências desta alteração no processo de determinação da verdade sobre o homens e os juristas de cultura católica devem agora parecer óbvias. Cada um deles vai julgar que é ele que tem a verdade, nenhum deles toma seriamente a opinião maioritária como representando a verdade. O conflito é inevitável e insoluvel. É claro que normas jurídicas serão publicadas na sociedade, prevalecendo a corrente que, em cada momento, tiver o poder para as fazer publicar. Mas quando elas chegam aos tribunais para serem aplicadas não há ninguém que se entenda acerca delas. A zaragata começa entre os juristas e dentro do sistema de justiça. Não sendo capaz de se porem de acordo acerca da interpretação das leis, os juristas acabarão por trazer a público os assuntos da justiça, ampliando a zaragata e diminuindo as probabilidades de consenso. A prazo, o sistema de justiça paralisa pela impossibilidade de se chegar a um acordo acerca da interpretação da leis, e de as fazer aplicar. Deixa de ser possível condenar alguém. Tendo intitucionalizado a zaragata, e sendo incapaz de aplicar a lei, porque ninguém se entende acerca dela, a sociedade passa a viver num clima de caos e anarquia.
O meu propósito neste post é olhar para o trabalho dos juristas e descrever como eles destroem o sistema de justiça lançando a sociedade no caos e na anarquia. Como pensam e agem os juristas numa sociedade católica que importou as instituições do protestantismo - a democracia-liberal - e, em particular, também as suas doutrinas jurídicas?. Começo pela doutrina, lançando mão de Hans Kelsen (1881-1973), o jurista alemão considerado o pai do normativismo ou positivismo jurídico moderno. Kelsen, como não podia deixar de ser, é um discípulo de Kant (cf. aqui).
O primeiro ponto a salientar é que Kelsen considera que a justiça é mais importante que a verdade (cf. aqui), e neste ponto ele é distintamente protestante, seguindo o lema desta cultura segundo o qual "a verdade está na justiça", isto é, a verdade é a consequência da justiça. A justiça faz-se através de normas jurídicas, em cuja feitura - supondo sempre uma sociedade democrática - concorrem vários juristas representando as diferentes correntes de opinião jurídica na sociedade. O Direito é uma ciência normativa que visa chegar à realidade de uma sociedade, não como ela é, mas como ela deve ser, e a função da norma jurídica é chegar a essa realidade ou verdade.
E como se chega lá? A realidade, na perspectiva kantiana, é apreendida pelas percepções dos sentidos depois de filtradas pela razão (as célebres categorias kantianas). É esta filtragem que confere à realidade um carácter subjectivo. As diferentes propostas de normas jurídicas são, portanto, percepções subjectivas da realidade. A norma jurídica final, aquela que vai prevalecer e ter força de lei, resulta da litigação, da discussão entre os juristas perfilhando propostas concorrentes. E como decidir entre elas qual vai ser a norma jurídica final, aquela que vai ter o valor de lei, aquela que representa verdadeiramente a realidade, em suma, como se decide a verdade?
A resposta kantiana a esta questão é a seguinte: julgando - porque a verdade apura-se por julgamento -, e julgando através de algum processo que julgue melhor porque não julga de todo. Este é o processo democrático ou da maioria. A norma jurídica que vai prevalecer é aquela que corresponde à opinião maioritária dos juristas envolvidos no processo. Esta é a norma jurídica que representa a verdade, aquela que representa a verdadeira lei, a lei natural ou a lei de Deus.
Segue-se que a verdade está contida nas leis feitas pelos juristas. Os juristas aparecem a esta luz como verdadeiros representantes de Deus na terra. São eles que possuem a verdade. A verdade está nas leis que são feitas pelos juristas e emerge como resultado da opinião maioritária entre os juristas. É contra esta versão da verdade, em que a verdade é determinada pela maioria, que o teólogo Joseph Ratzinger se insurge aqui.
De facto, na tradição católica a verdade é determinada pela razão do homem, não pelo julgamento da maioria. As consequências desta alteração no processo de determinação da verdade sobre o homens e os juristas de cultura católica devem agora parecer óbvias. Cada um deles vai julgar que é ele que tem a verdade, nenhum deles toma seriamente a opinião maioritária como representando a verdade. O conflito é inevitável e insoluvel. É claro que normas jurídicas serão publicadas na sociedade, prevalecendo a corrente que, em cada momento, tiver o poder para as fazer publicar. Mas quando elas chegam aos tribunais para serem aplicadas não há ninguém que se entenda acerca delas. A zaragata começa entre os juristas e dentro do sistema de justiça. Não sendo capaz de se porem de acordo acerca da interpretação das leis, os juristas acabarão por trazer a público os assuntos da justiça, ampliando a zaragata e diminuindo as probabilidades de consenso. A prazo, o sistema de justiça paralisa pela impossibilidade de se chegar a um acordo acerca da interpretação da leis, e de as fazer aplicar. Deixa de ser possível condenar alguém. Tendo intitucionalizado a zaragata, e sendo incapaz de aplicar a lei, porque ninguém se entende acerca dela, a sociedade passa a viver num clima de caos e anarquia.
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(*) Kant, ele próprio, tinha a alcunha de O Destruidor.
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