O INE publicou esta semana as estatísticas das exportações portugueses relativas a Novembro, que têm feito as páginas dos jornais. Cairam 15%, relativamente ao mesmo mês do ano anterior, e para Espanha, nosso principal parceiro comercial, a queda foi mesmo de 27%. Num país anglo-saxónico (tomarei como referência os EUA), esta informação foi publicada em 13 de Janeiro, quase um mês antes.
Se estas estatísticas tivessem sido conhecidas quanto antes, os empresários exportadores teriam interpretado o sinal de alarme que elas contêm para tomar medidas - reduzir a produção e os custos, diversificar para outros mercados, rever preços, ponderar os aumentos de salários -, e até o governo teria tido oportunidade de tomar medidas tendentes a aliviar a deterioração do défice da balança de transacções correntes que as estatísticas deixam antever. Mas agora, três meses e meio depois do período a que respeitam, para que servem estas estatísticas? Para nada, são meras peças de história económica.
Nos EUA as estatísticas do emprego são mensais, e publicadas na primeira-sexta feira do mês seguinte àquele a que respeitam. Assim, no início desde mês (6 de Fevereiro) ficou-se a saber que, durante o mês de Janeiro, 598 mil pessoas perderam o emprego no país e que a taxa de desemprego é agora de 7.6%. A importância desta informação para todos os cidadãos, empresários e trabalhadores é óbvia - em Janeiro a crise económica continuou a agravar-se (as perdas de emprego em Dezembro e Novembro tinham sido de cerca de 500 mil em cada mês). Em Portugal não há estatísticas mensais do emprego - são trimestrais. E não apenas isso, as estatísticas trimestrais são publicadas mês e meio após o fim do trimestre a que respeitam. Quando forem publicadas em meados deste mês as estatísticas do emprego relativas ao quarto trimestre de 2008, não só já passou mês e meio sobre o período, como ficamos sem conhecer a tendência prevalecente entre Outubro e Dezembro, se foi de agravamento ou de desagravamento. Temos de a adivinhar (agravamento).
A questão a que pretendo responder neste post é a seguinte: como é que os EUA, sendo um país tão grande, conseguem publicar a informação estatística tão rapidamente, e Portugal, sendo uma quinta em comparação, demora tanto tempo a fazê-lo? A resposta é de natureza cultural. Utilizarei os dados do emprego para ilustrar.
Os dados do emprego são conhecidos com tanta rapidez nos EUA porque eles representam uma estimativa do número de desempregados no mês anterior. Conhecer o número exacto de desempregados - contar cabeças - demora meses. Porém, os métodos de inferência estatística e as técnicas de amostragem estão de tal modo desenvolvidos, que a estimativa nunca difere significativamente daquele que virá a revelar-se o número exacto.
Então, e o INE não tem economistas e estaticistas para fazer estimativas? Claro que tem. Só que as estimativas, se existirem, ficam lá dentro e não saem cá para fora. Para os portugueses, com a sua obsessão pelo pormenor e pelo detalhe, os números que vierem a ser publicados têm de ser os números exactos e definitivos, obrigando a contar cabeças (*) e à demora inevitável deste processo. A consequência é que, enquanto nos EUA, a prontidão das estatísticas faz delas instrumentos privilegiados para a tomada de decisões, em Portugal elas não servem para nada - são peças de história económica.
Trata-se, obviamente, de mais uma manifestação da inferioridade da nossa cultura relativamente à cultura anglo-saxónica em tudo aquilo que diz respeito à esfera pública. A preocupação da cultura portuguesa com o detalhe, o pormenor, a perfeição, a exactidão irrelevante, tornando os portugueses excelentes, às vezes exímios, em tudo quanto se refere à esfera privada da sua vida, torna-os, aos mesmo tempo, literalmente, uma cambada de nabos em tudo o que concerne a esfera pública.
Este traço cultural dos portugueses tem pesadas consequências sociais. É como se os portugueses tivessem todos agachados no meio de um campo, em volta de um formiga, a discutirem uns com os outros, quase sempre acaloradamente, a côr dos olhos da formiga, o tamanho das suas patas, a sua forma de caminhar, ao mesmo tempo que, enquanto o fazem, mas sem nunca darem por isso, uma camada de nuvens negras se vai adensando sobre eles. Até ao momento em que a tempestade lhes cai em cima com toda a força, sem que eles tivessem dado por ela. Estavam todos concentrados, de costas para a tempestade, a discutir a formiga.
Se estas estatísticas tivessem sido conhecidas quanto antes, os empresários exportadores teriam interpretado o sinal de alarme que elas contêm para tomar medidas - reduzir a produção e os custos, diversificar para outros mercados, rever preços, ponderar os aumentos de salários -, e até o governo teria tido oportunidade de tomar medidas tendentes a aliviar a deterioração do défice da balança de transacções correntes que as estatísticas deixam antever. Mas agora, três meses e meio depois do período a que respeitam, para que servem estas estatísticas? Para nada, são meras peças de história económica.
Nos EUA as estatísticas do emprego são mensais, e publicadas na primeira-sexta feira do mês seguinte àquele a que respeitam. Assim, no início desde mês (6 de Fevereiro) ficou-se a saber que, durante o mês de Janeiro, 598 mil pessoas perderam o emprego no país e que a taxa de desemprego é agora de 7.6%. A importância desta informação para todos os cidadãos, empresários e trabalhadores é óbvia - em Janeiro a crise económica continuou a agravar-se (as perdas de emprego em Dezembro e Novembro tinham sido de cerca de 500 mil em cada mês). Em Portugal não há estatísticas mensais do emprego - são trimestrais. E não apenas isso, as estatísticas trimestrais são publicadas mês e meio após o fim do trimestre a que respeitam. Quando forem publicadas em meados deste mês as estatísticas do emprego relativas ao quarto trimestre de 2008, não só já passou mês e meio sobre o período, como ficamos sem conhecer a tendência prevalecente entre Outubro e Dezembro, se foi de agravamento ou de desagravamento. Temos de a adivinhar (agravamento).
A questão a que pretendo responder neste post é a seguinte: como é que os EUA, sendo um país tão grande, conseguem publicar a informação estatística tão rapidamente, e Portugal, sendo uma quinta em comparação, demora tanto tempo a fazê-lo? A resposta é de natureza cultural. Utilizarei os dados do emprego para ilustrar.
Os dados do emprego são conhecidos com tanta rapidez nos EUA porque eles representam uma estimativa do número de desempregados no mês anterior. Conhecer o número exacto de desempregados - contar cabeças - demora meses. Porém, os métodos de inferência estatística e as técnicas de amostragem estão de tal modo desenvolvidos, que a estimativa nunca difere significativamente daquele que virá a revelar-se o número exacto.
Então, e o INE não tem economistas e estaticistas para fazer estimativas? Claro que tem. Só que as estimativas, se existirem, ficam lá dentro e não saem cá para fora. Para os portugueses, com a sua obsessão pelo pormenor e pelo detalhe, os números que vierem a ser publicados têm de ser os números exactos e definitivos, obrigando a contar cabeças (*) e à demora inevitável deste processo. A consequência é que, enquanto nos EUA, a prontidão das estatísticas faz delas instrumentos privilegiados para a tomada de decisões, em Portugal elas não servem para nada - são peças de história económica.
Trata-se, obviamente, de mais uma manifestação da inferioridade da nossa cultura relativamente à cultura anglo-saxónica em tudo aquilo que diz respeito à esfera pública. A preocupação da cultura portuguesa com o detalhe, o pormenor, a perfeição, a exactidão irrelevante, tornando os portugueses excelentes, às vezes exímios, em tudo quanto se refere à esfera privada da sua vida, torna-os, aos mesmo tempo, literalmente, uma cambada de nabos em tudo o que concerne a esfera pública.
Este traço cultural dos portugueses tem pesadas consequências sociais. É como se os portugueses tivessem todos agachados no meio de um campo, em volta de um formiga, a discutirem uns com os outros, quase sempre acaloradamente, a côr dos olhos da formiga, o tamanho das suas patas, a sua forma de caminhar, ao mesmo tempo que, enquanto o fazem, mas sem nunca darem por isso, uma camada de nuvens negras se vai adensando sobre eles. Até ao momento em que a tempestade lhes cai em cima com toda a força, sem que eles tivessem dado por ela. Estavam todos concentrados, de costas para a tempestade, a discutir a formiga.
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(*) "Contar cabeças" é obviamente uma força de expressão. O INE também utiliza técnicas de amostragem e de inferência estatística para chegar aos dados do emprego, mas elas têm de ser tão perfeitas, com tantos detalhes e pormenores que, quando são publicados, já não servem para nada.
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