10 fevereiro 2009

Manel Relógio



A cultura portuguesa assenta sobre ideias centrais muito fortes, a esmagadora maioria de inspiração religiosa (católica), e que não podem ser submetidas ao escrutínio da razão sem ameaçar o equilíbrio da própria sociedade (como tem sucedido nos últimos vinte anos e como sucedeu em outros períodos da nossa história, como a I República).

A censura é uma defesa desta cultura contra as agressões do racionalismo. Immanuel Kant, que foi o pai do racionalismo moderno, esteve ele próprio censurado durante muitos anos em Portugal e em outros paises católicos. E o caso não era para menos. O aspecto principal do pensamento de Kant é o de que é possível pensar o mundo independentemente da religião e, mais importante do que todos, o de que é possível pensar e conceber a moral à revelia da religião. Embora o próprio Kant tenha falhado nesta empresa, não lhe faltaram seguidores na tentativa de provarem a sua tese.

Kant permanece ainda hoje, entre os filósofos modernos, o maior inimigo da cultura portuguesa e católica. Para provar este tese, eu proponho ao leitor um exercício de abstracção. Duas premissas são exigidas. Primeiro, procure ler Kant, basta uns quantos parágrafos, e depois tente traduzir em miúdos, isto é, racionalizar, o que ele escreveu nesses parágrafos; pergunte-se, em particular se esse trecho de Kant, no caso de o ter percebido, lhe serve para alguma coisa na vida. Segundo, procure conhecer a personalidade de Kant, lendo duas ou três biografias dele que existem na internet. Posto isto, procure responder à seguinte questão: "Como é que nós, portugueses, olharíamos para este homem (Immanuel Kant), hoje em dia ou na altura em que ele viveu, se ele fosse português, e vivesse entre nós?"
.

A minha resposta é - um tolinho. Se ele fosse português, nunca teria ganho a reputação de filósofo que ganhou, porque até lá na terra dele (vg, Freixo de Espada à Cinta) o consideravam um tolo, que escrevia coisas que ninguém percebia, nunca saiu lá da parvónia, vivia sozinho, nunca se lhe conheceu mulher - porque não havia nenhuma que o quisesse -, e passava todos os dias pelos mesmos lugares lá da aldeia à mesma hora - a tal ponto que as pessoas até acertavam os relógios por ele. Com a tendência dos portugueses para as alcunhas, muito provavelmente ele seria conhecido na aldeia pelo Manel Relógio.
.
Conhece algum filósofo importante, que não seja meramente um filósofo de tasca, com nome semelhante a Manel Relógio?

Sem comentários: