12 fevereiro 2009

ironia


Recentemente, prometi a um leitor deste blogue ensinar-lhe a fazer ironia - ironia de qualidade, à la British, disse eu, e não ironia básica, à portuguesa e à Eça. Começo neste post com uma primeira contribuição. Para o efeito, tomo como ponto de partida as considerações de Pessoa sobre o tema (aqui), salientando, no entanto, que as considero incompletas e tenciono alargá-las no futuro.

Ironizar é dizer uma coisa e significar outra, frequentemente com o intuito de atingir uma pessoa ou uma entidade, (vg., país, povo), normalmente depreciando-a. Também tem o significado de surpreender.

A ironia portuguesa, imitada do Eça, é o oposto de tudo isto, em primeiro lugar porque é excessivamente explícita ou realista. O visado está perfeitamente identificado. Toma-se-lhe uma peculiaridade e exagera-se-lhe essa peculiaridade até a tornar ridícula. O visado é atingido na cara e humilhado à vista de todos. Os ingleses, que são os mestres da ironia, considerariam isto piadas de mau gosto (disgusting jokes) - não se humilha uma pessoa em público. E, de facto, do ponto de vista intelectual, esta forma de ironia - que se traduz, na realidade, em piadas de mau gosto -, é de uma crueza total.

A primeira e mais importante característica da genuína ironia é que ela nunca é explícita. Exprime-se sempre de forma implícita - dizendo uma coisa e significando outra - e é aqui que reside a arte. A técnica para o fazer não é apenas aquela referida por Pessoa e que é deduzida de Jonathan Swift, um dos mestres da ironia na literatura inglesa. Existe uma outra igualmente importante, e provavelmente mais corrente, a que me referirei noutro post.

O ponto importante a salientar aqui é que, ao contrário da ironia portuguesa à la Eça - explícita, directa, pessoalizada, humilhante -, na verdadeira ironia o visado nunca é atingido directamente e, portanto, ele não se apercebe imediatamente - às vezes, nunca chega a aperceber-se - de que é ele que está a ser atingido. Mais, ao contrário da ironia portuguesa, a verdadeira ironia é para ser compreendida só por alguns, não por todos os que estão à volta. A verdadeira ironia é uma conversa só acessível aos membros de um escol.

Não é surpreendente que a pátria da ironia seja a Inglaterra, uma sociedade aristocrática por excelência, mas onde o povo é que manda por via da sua tradição democrática. A ironia é a línguagem que a aristocracia desenvolveu para depreciar o povo, na presença dele, com ele a mandar, e sem que ele se aperceba.

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