20 fevereiro 2009

de si próprios


Por interesse intelectual, uma das questões para a qual sempre procurei uma resposta sem a encontrar, é a fragilidade - senão mesmo a inexistência - da opinião pública em Portugal, em comparação com o seu vigor nos países de cultura protestante. A democracia tem sido frequentemente definida como o governo por opinião e ela não pode funcionar sem uma opinião pública que seja clara, afirmativa e forte.

As condições económicas deterioram-se, a criminalidade agrava-se, a justiça não funciona, a educação piora, e não se nota a mínima militância da opinião pública a pressionar o governo para fazer alguma coisa. Gostaria de esclarecer que, quando me refiro a opinião pública, não estou a pensar na opinião das pessoas que geralmente aparecem em público nos jornais, nas rádios e nas televisões - as chamadas figuras públicas -, as quais estão geralmente ligadas à política e que, no total, somam talvez um milhar de pessoas no país. Refiro-me aos outros dez milhões de portugueses que não aparecem em público nem a sua voz se faz sentir em público. Trata-se aqui da diferença entre opinião publicada - a das figuras públicas - e opinião pública - a da esmagadora maioria dos portugueses.

Antes de prosseguir, um ponto prévio. Noutro post, defendi vigorosamente a tese de que os portugueses são em público muito diferentes daquilo que são em privado - e para pior, muito pior - a tal ponto que considerei o espaço público como aquilo que de pior existe na sociedade portuguesa, e mais geralmente nas sociedades de cultura católica, sobretudo em regime democrático (*).

E qual é a diferença que sugeri então - e qual a razão dessa diferença -, entre os portugueses quando aparecem em ambiente público e os mesmos portugueses quando permanecem em ambiente privado? A diferença é de autenticidade. A razão é que é na esfera pública que os portugueses realizam a sua unidade e, por isso, é aí que eles querem parecer bem e querem parecer iguais nessa parecença. Porém, precisamente porque querem parecer, nenhum deles é, na realidade, aquilo que quer parecer, e muito menos algum deles é igual ao outro. Pelo contrário, como também já argumentei, cada português é, em geral, muito diferente um do outro.
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O resultado é que o português da esfera pública não é o português autêntico. É o português enfatuado, sério, hirto, das palavras caras e discursos grandiloquentes, dos nomes pomposos, dos títulos e das distinções, imensamente susceptível, inflexível ao máximo e insuportavelmente intolerante; é o português das aparências, que está constantemente a armar. Pelo contrário, o português da esfera privada - o mesmo português - é o português modesto, às vezes até simplório, descontraído, caloroso, com sentido de humor, das palavras simples e das frases em calão, capaz de se rir de si próprio e dos outros, adaptável a tudo e imensamente tolerante - em suma, o português autêntico.

A cultura católica tem esta característica. Ela possui o potencial para transformar homens autênticos na sua esfera privada em espantalhos de si próprios na esfera pública. E isto é especialmente assim sob um regime democrático (*). Daí que a opinião das figuras públicas não é, nem pode ser, representativa da opinião dos portugueses - a chamada opinião pública.

Esta conclusão conduz ao último e decisivo ponto: Mas, então, qual é a opinião dos portugueses, a verdadeira e genuína opinião pública? A resposta a esta questão infere-se, em parte, do argumento do meu último post. A flexibilidade e a tolerância da sua cultura profundamente católica - numa palavra, o seu liberalismo - leva os portugueses a aceitar todas as opiniões, mesmo as mais divergentes e opostas, sobre um determinado assunto, com o resultado final de que eles ficam sem opinião.

O enigma para o qual há anos procuro uma resposta, e que é o de saber porque é que a opinião pública em Portugal é praticamente inexistente, está finalmente resolvido. Não existe opinião pública em Portugal porque os portugueses não têm opinião.
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(*) Voltarei a este assunto noutro post.

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