Eu gostaria neste post de regressar a duas ideias centrais da tese que tenho vindo a desenvolver - a de que um país católico, como Portugal, adquire a sua coesão em torno da ideia de verdade, enquanto um país protestante, como a Inglaterra ou os EUA, adquire a sua coesão em torno da ideia de justiça.
Para o efeito, nada como comparar aqui os dois homens que são geralmente reconhecidos como os intelectuais mais representativos de casa uma desta culturas, S. Tomás de Aquino, por vezes chamado o filósofo do catolicismo, e Immanuel Kant, frequentemente considerado o filósofo do protestantismo. Tenho à minha frente, em páginas abertas ao acaso, as obras mais representativas de cada um deles, A Suma Teológica de Aquino, à direita, e A Crítica da Razão Pura, de Kant, à esquerda (como convém), ambas em versão inglesa para facilitar a comparação (1).
E qual é a grande diferença que imediatamente salta aos olhos?
A diferença é que Tomás de Aquino escreve num estilo pessoalizado, concreto e simples, num estilo tu-cá-tu-lá, com perguntas bem precisas e respostas concretas, levantando objecções às respostas, e esclarecendo as objecções, de uma maneira que toda a gente pode entender. Pelo contrário, Kant escreve num estilo impessoal, abstracto e complexo que não se dirige a ninguém, encadeando ideias (teses) umas nas outras de uma forma de tal modo intrincada e difícil que nem os seus mais próximos - incluindo o seu próprio assistente -, o conseguiam compreender (2)
Aquele questionar permanente de Aquino revela claramente um homem à procura de algo muito preciso e concreto - a verdade. Pelo contrário, aquele raciocinar permanente em Kant revela um homem à procura de algo muito mais vago e abstracto - a ideia de justiça. Tomás de Aquino é, na realidade, o intelectual católico por excelência - talvez levado ao exagero -, da mesma forma que Kant representa bem - talvez ao ponto do exagero - o intelectual protestante.
O homem católico pensa em termos de verdade e de mentira, e nada lhe interessa pelo meio, na realidade, não existe nada pelo meio, não existe meio-termo, a sua razão é educada para pensar a branco e preto. Pelo contrário, o homem protestante pensa em termos de justiça e de injustiça, existe todo um território pelo meio, e a sua razão é educada para pensar esse território em cada uma das suas cores ou nuances.
Usando uma analogia, a razão do homem católico é educada para pensar como se ele seguisse por uma via férrea, um pé em cada carril - um carril representando a verdade, outro a mentira ou a não-verdade -, o seu olhar constantemente oscilando entre um e outro dos carris, a ver onde põe os pés. Nunca lhe ocorre olhar para o espaço que está no meio dos carris, muito menos para o lado, levantar a cabeça e contemplar o horizonte que lhe está na frente, menos ainda olhar para cima.
Pelo contrário, a razão do homem protestante é educada para caminhar fora dos carris, umas vezes no meio deles, mais frequentemente fora deles, paralela ou perpendicularmente aos carris, para a frente e para trás, olhando para um lado e para o outro, para baixo e para cima, às vezes até desejaria voar. Se se pretendesse caracterizar de maneira ofensiva a forma de pensar de um e de outro - o que, óbviamente, não é o meu propósito - talvez se pudesse dizer: o homem católico parece um burro com duas palas, uma de cada lado dos olhos; o homem protestante, pelo contrário, parece literalmente, um aluado.
É impossível o diálogo entre estas duas culturas. Um pensa em termos de verdade e de mentira, o outro em termos de justiça e injustiça; o primeiro pensa em termos concretos, o segundo em termos abstractos. O primeiro cita factos e o segundo responde-lhe: "So what?" (Por outras palavras: "Que conclusão é que tira daí?" - e ele não tira nenhuma). O segundo avança teses, e o primeiro grita-lhe "É mentira!" ou alternativamente, "Apoiado!" (3).
Para o efeito, nada como comparar aqui os dois homens que são geralmente reconhecidos como os intelectuais mais representativos de casa uma desta culturas, S. Tomás de Aquino, por vezes chamado o filósofo do catolicismo, e Immanuel Kant, frequentemente considerado o filósofo do protestantismo. Tenho à minha frente, em páginas abertas ao acaso, as obras mais representativas de cada um deles, A Suma Teológica de Aquino, à direita, e A Crítica da Razão Pura, de Kant, à esquerda (como convém), ambas em versão inglesa para facilitar a comparação (1).
E qual é a grande diferença que imediatamente salta aos olhos?
A diferença é que Tomás de Aquino escreve num estilo pessoalizado, concreto e simples, num estilo tu-cá-tu-lá, com perguntas bem precisas e respostas concretas, levantando objecções às respostas, e esclarecendo as objecções, de uma maneira que toda a gente pode entender. Pelo contrário, Kant escreve num estilo impessoal, abstracto e complexo que não se dirige a ninguém, encadeando ideias (teses) umas nas outras de uma forma de tal modo intrincada e difícil que nem os seus mais próximos - incluindo o seu próprio assistente -, o conseguiam compreender (2)
Aquele questionar permanente de Aquino revela claramente um homem à procura de algo muito preciso e concreto - a verdade. Pelo contrário, aquele raciocinar permanente em Kant revela um homem à procura de algo muito mais vago e abstracto - a ideia de justiça. Tomás de Aquino é, na realidade, o intelectual católico por excelência - talvez levado ao exagero -, da mesma forma que Kant representa bem - talvez ao ponto do exagero - o intelectual protestante.
O homem católico pensa em termos de verdade e de mentira, e nada lhe interessa pelo meio, na realidade, não existe nada pelo meio, não existe meio-termo, a sua razão é educada para pensar a branco e preto. Pelo contrário, o homem protestante pensa em termos de justiça e de injustiça, existe todo um território pelo meio, e a sua razão é educada para pensar esse território em cada uma das suas cores ou nuances.
Usando uma analogia, a razão do homem católico é educada para pensar como se ele seguisse por uma via férrea, um pé em cada carril - um carril representando a verdade, outro a mentira ou a não-verdade -, o seu olhar constantemente oscilando entre um e outro dos carris, a ver onde põe os pés. Nunca lhe ocorre olhar para o espaço que está no meio dos carris, muito menos para o lado, levantar a cabeça e contemplar o horizonte que lhe está na frente, menos ainda olhar para cima.
Pelo contrário, a razão do homem protestante é educada para caminhar fora dos carris, umas vezes no meio deles, mais frequentemente fora deles, paralela ou perpendicularmente aos carris, para a frente e para trás, olhando para um lado e para o outro, para baixo e para cima, às vezes até desejaria voar. Se se pretendesse caracterizar de maneira ofensiva a forma de pensar de um e de outro - o que, óbviamente, não é o meu propósito - talvez se pudesse dizer: o homem católico parece um burro com duas palas, uma de cada lado dos olhos; o homem protestante, pelo contrário, parece literalmente, um aluado.
É impossível o diálogo entre estas duas culturas. Um pensa em termos de verdade e de mentira, o outro em termos de justiça e injustiça; o primeiro pensa em termos concretos, o segundo em termos abstractos. O primeiro cita factos e o segundo responde-lhe: "So what?" (Por outras palavras: "Que conclusão é que tira daí?" - e ele não tira nenhuma). O segundo avança teses, e o primeiro grita-lhe "É mentira!" ou alternativamente, "Apoiado!" (3).
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(1) Mortimer J. Adler (ed.), The Great Books of the Western World, Chicago: Encyclopedia Britannica, 1952, vols. 19 (Thomas Aquinas I) e 42 (Kant).
(2) Eu defendo a tese que Kant escrevia desse modo complexo para que ninguém o compreendesse, incluindo ele próprio. Tratarei deste tema noutro post.
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