02 janeiro 2009

Vantagem comparativa


Eu tenho achado muito interessante a série de posts que o Joaquim tem aqui apresentado sobre a distinção entre apris e empis e a razão do meu interesse é porque ela representa, aos meus olhos, uma versão laica da minha distinção entre cultura protestante e cultura católica, respectivamente. Embora o Joaquim tenda a cair para o lado dos apris, ele foi suficientemente cuidadoso para afirmar que não considera os empis mais estúpidos que os apris.

Eu gostaria de contribuir para a discussão tomando como ponto de partida um exemplo de princípio apri que o Joaquim forneceu. Refiro-me ao princípio da vantagem comparativa formulado pelo economista David Ricardo, na minha opinião um dos mais impressionantes princípios formulados pela ciência económica.

O princípio corre assim: admitamos dois países, A e B. No país A, com uma unidade de recursos (isto é, uma certa quantidade de trabalho, capital, etc.) pode-se produzir 3 unidades do bem X ou, alternativamente, 5 unidades do bem Y. No país B, como a mesma quantidade de recursos, pode-se produzir 1 unidade do bem X ou, alternativamente, 2 unidades do bem Y.

O país A é mais eficiente, em termos absolutos, a produzir quer o bem X quer o bem Y. Em termos relativos, a história é diferente. No país A, cada unidade de X custa 5/3 de Y (para produzir 3 de X é preciso renunciar a 5 de Y, logo, para produzir 1 de X é preciso renunciar a 5/3 =1.6 de Y). No país B, cada unidade de X custa 2 de Y (para produzir 1 de X é necessário renunciar à produção de 2 de Y). Segue-se que o país A é comparativamente ou relativamente mais eficiente a produzir X, pois o custo é neste país 1.6 Y contra 2 Y no país B.

Pelo contrário, o país B é comparativamente mais eficiente a produzir Y. Na realidade, no país A cada unidade de Y custa 3/5 de X (para produzir 5 de Y é necessário renunciar a 3 de X, logo, para produzir 1 de Y é necessário renunciar a 3/5 = 0.6 de X). No país B cada unidade de Y custa apenas 1/2 = 0.5 de X.

O Princípio da Vantagem Comparativa prossegue para afirmar - e aqui reside a sua importância - que, mesmo que um país seja absolutamente mais eficiente na produção de ambos os bens (caso do país A no exemplo), ambos podem beneficiar se cada um se especializar na produção do bem em que é comparativamente mais eficiente, e depois trocarem livremente os bens entre si.

Segundo o Princípio, o país A especializar-se-ia na produção do bem X e o país B na produção do bem Y. No país A cada unidade de X custa 1.6 Y e no país B custa 2 Y. Abrindo as fronteiras ao comércio internacional, e supondo a inexistência de custos de transacção, o país A vai especializar-se na produção do bem X e o preço internacional deste bem vai situar-se entre 1.6 Y (aquilo que o bem custa a produzir em A) e 2 Y (o máximo que o país B está disposto a pagar pelo bem X, sob pena de o produzir domesticamente), por exemplo, 1.8 Y. A este preço (ou qualquer outro no intervalo referido) ambos os países beneficiam da especialização e da troca: o país A exporta X para o país B ao preço de 1.8 Y, um preço que é superior ao custo de produção (1.6 Y). O país B importa de A o bem X ao preço de 1.8 Y, inferior ao que teria de pagar (2 Y) se produzisse X domesticamente.

Analogamente, ambos os países beneficiam se o país B se especializar no bem Y e o comércio livre permanecer entre eles. No país A cada unidade de Y custa 0.6 X e no país B apenas 0.5 X. No comércio internacional o país B vai exigir por cada unidade de Y pelo menos 0.5 X (que é aquilo que cada unidade de Y lhe custa a produzir) e o país A não está disposto a pagar por ela mais de 0.6 X (caso contrário, ser-lhe-ia mais vantajoso produzir Y domesticamente). O preço que o mercado internacional fixará para cada unidade de Y será um número entre 0.5 X e 0.6 X e qualquer preço neste intervalo beneficia os dois países, por exemplo, 0.55 X. A este preço, o país B recebe 0.55 X por cada unidade de Y que lhe custa 0.5 X a produzir, e o país A paga 0.55 X por cada unidade de Y que, de outro modo, lhe custaria 0.6 a produzir.

Como mencionei acima, o Princípio da Vantagem Comparativa é um princípio impressionante e um dos mais brilhantes que a ciência económica produziu. Mas poderá ele ser utilizado como guia seguro para a acção, poderá ele, por outras palavras, ser invocado para estabelecer o comércio internacional livre no mundo e assegurar que todos os países ficam melhor? Infelizmente, a resposta não é necessariamente afirmativa. Primeiro, porque o Princípio é derivado sob certas hipóteses simplificadoras (uma das quais foi aludida acima, a inexistência de custos de transacção, como os custos de negociação e transporte). Segundo, porque ele exclui certas circunstâncias da realidade, como o risco político, que o podem invalidar.

Para ilustrar este último ponto, admitamos que a Rússia é comparativamente mais eficiente a produzir gás que a Ucrânia, e a Ucránia comparativamente mais eficiente que a Rússia a produzir alfinetes. De acordo com o princípio de Ricardo, a Rússia especializa-se na produção de gás que exporta para a Ucrânia, e a Ucrânia especializa-se na produção de alfinetes que exporta para a Rússia. Vão os dois países acabar melhor, como afirma Ricardo? Não necessariamente. Veja aqui.

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