Estando há duas semanas a acompanhar o panorama financeiro à distância, não posso deixar de manifestar alguma apreensão em relação às iniciativas governamentais que deverão ser divulgadas esta semana em "auxílio" da banca internacional, em particular no Reino Unido e nos Estados Unidos. De acordo com a imprensa do fim de semana, o Reino Unido promoverá medidas que "incentivem" os bancos à normal concessão de crédito. E nos Estados Unidos poderá ser anunciada a criação de um banco estatal cujo objectivo será reunir e comprar todos os activos tóxicos que permanecem nos balanços dos bancos.
Dada a importância capital do sistema financeiro norte-americano, gostava de me focar naquilo que vai acontecer na terra do Tio Sam. Numa semana que será também marcada pela tomada de posse de Barack Obama, a criação de um banco estatal para varrer o lixo financeiro será algo de extraordinário. Pelo menos, nesta fase. Isto porque, sendo certo que era esse o objectivo inicial do plano Paulson (TARP) quando há meses pediu 700 mil milhões de dólares ao Congresso norte-americano, a verdade é que posteriormente enveredaram por outro caminho - recapitalizações directas dos bancos afectados - tendo já gasto uma parte considerável desse valor. Voltar atrás agora, embora representando o regresso àquela que na minha opinião era a táctica adequada, evidencia também que os fundos entretanto gastos de nada serviram. Ou então, que a dimensão real do problema é muito superior àquele que até os mais pessimistas estimaram. Os números avançados pela Goldman Sachs indicam que para além das perdas associadas ao mercado de hipotecas, cerca de 1 trilião de dólares já reconhecido pelos bancos, deve juntar-se outro trilião em (novas) perdas associadas ao mercado imobiliário empresarial, aos cartões de crédito, aos empréstimos automóveis e aos empréstimos obrigacionistas realizados por empresas privadas dos mais variados sectores económicos.
Enfim, a situação continua a deteriorar-se. E muito rapidamente. Na sexta feira passada, mais dois pequenos bancos norte-americanos foram declarados insolventes e nacionalizados pelo Fundo de Garantia do Estado. Uns dias antes, tinham sido divulgadas as perdas do Citigroup e do Bank of America, que foram superiores ao esperado. No caso do Bank of America, o seu presidente executivo afirmou mesmo que esteve prestes a suspender a aquisição da Merrill Lynch - algo que só não sucedeu devido a nova intervenção do Governo. Como se tudo isto não bastasse, apesar da redução da taxa de juro para valores residuais, os principais bancos continuam a não conceder crédito nem aos particulares nem às empresas, defendidos que estão pela falta de jeito com que foi executada a sua recapitalização através de dinheiros públicos na versão final (emendada) do TARP. Por fim, a cereja em cima do bolo, o novo secretário do Tesouro indigitado por Obama, Timothy Geithner, ainda não foi confirmado porque aparentemente se esqueceu de qualquer coisa na sua declaração de impostos!
Em suma, o TARP está descredibilizado e o Tesouro também. E a ideia do (mau) banco público criado exclusivamente para o efeito de aliviar os bancos dos mortos vivos que os estão a conduzir para o fundo do mar está longe de ser consensual. Por outro lado, a opção de deixar cair o sector bancário também está colocada de parte. A solução que resta é os Estados Unidos imitarem os europeus/britânicos e emitirem uma garantia/aval federal sobre todos os depósitos e sobre todas as instituições num valor considerável do PIB norte-americano. Na Europa, essa garantia/aval do Estado, concedida há meses pelos governos da zona euro, foi de 15% do PIB da região. Por isso, contas simples, o governo Obama teria de se chegar à frente com mais de 2 triliões de dólares. O problema é que, desta vez, pode muito bem acontecer que os mercados financeiros não se deixem convencer com essas cantigas. Nesse sentido, o comportamento do dólar será novamente chave. Uma desvalorização do dólar a partir dos níveis actuais (1,32 face ao euro), acompanhada de uma inversão da tendência de alta nas obrigações do Tesouro, será sinal de que o mercado decidiu, finalmente, "chamar o bluff" e testar a solvência do Estado norte-americano. Penso que é isso que irá acontecer.
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